terça-feira, outubro 17, 2006

Pássaro verde


Laio acordou de manhã com um aperto no peito. Andou pela casa, foi ao quarto dos pais. O silêncio do sono alheio o fez chorar. Foi para a sala, sentou-se e abriu o jornal. Percorreu as editorias, repletas de notícias tristes. Abriu a página de horóscopo. "Não se culpe por tudo", dizia o sei-lá-quem que inventou as previsões. Saltou do sofá e foi para a varanda. Silêncio. Era cedo demais para o mundo acordar ou era ele quem estava surdo? Viu um pássaro verde fazer um razante, o único ser vivo a se mexer àquela hora. Pegou um pedaço de papel e, num sopro de coragem, escreveu:

"Existir é um fardo. Nascemos e morremos sós, mas passamos a vida buscando fugir desta sina. É só olhar em volta e ver que todo homem é solitário. Tento resolver, mas não adianta. Tento te dizer, mãe, que você é solitária por ter passado anos moralmente subjugada. Agora é tarde demais. Tento te avisar, pai, que você anda só por não saber se comunicar com o outro. Seus amigos se foram. Ou talvez nunca tenham existido. Tento avisar aos doentes que o tempo deles já acabou. Aos meninos de rua, que logo eles serão mortos por uma bala na cabeça. Tento dizer às mulheres, 'não tenham filhos'. Tento voltar para casa e esquecer que sozinho eu enlouqueço, então vou deixar a solidão tomar conta de tudo. Tento escutar, mas só o que ouço é o nada. Tento ver, e só o que se mexe é o pássaro verde, que fugiu para ser livre".

Sem assinar o bilhete, nem corrigir os erros, Laio colou o papel na geladeira com um imã de farmácia. Abriu a porta de casa e nunca mais voltou.

*Obsessão do dia: Love Street, The Doors.