quinta-feira, novembro 30, 2006

Os seios de Carolina

Não havia como negar: ele tinha olhado. Sem pudores, sem vergonha. Carolina estava vermelha de ódio, de vergonha. Pegou seu próprio primo a espiando trocar de roupa no quarto. Na verdade, só trocara de blusa, mas foi o suficiente para que ele os visse. Nem em seus sonhos podia imaginar que fossem tão bonitos. A cor, o formato, a textura... Miguel mal conseguia ouvir a bronca da prima, que o xingava dos mais diversos palavrões. Em sua cabeça, dançavam como dois botões de rosa ao vento, os seios de Carolina.

Saiu do quarto dela como que hipnotizado. Foi para o jardim da casa da tia Cecília e pôs-se a olhar aqueles botões de rosa. Carolina, Carolina... Que perfeita simetria! Quando deu por si, estava tocando com os lábios as pétalas das flores. Dos lábios para o rosto, do rosto para os cabelos, dos cabelos para suas suadas mãos. Obcecado, sim, por um par de seios. Muito mais bonitos do que todos aqueles que já vira antes nas revistas que seu pai lhe dava.

Desde criança tinha um certo fascínio pela prima. Não conseguia ser ele mesmo quando estava perto dela. Sua beleza o deixava tonto. Mas só agora, aos 15 anos, conseguiu entender por que ficava daquele jeito. Carolina era uma deusa, e sobre ele exercia seus poderes divinos. Era um direito dela: quem nascia assim tão linda, podia tirar qualquer um do sério. Assim, sem culpa. Talvez fosse imbuído por esta força que espiou na fresta da porta entreaberta do quarto da menina. E lá teve a visão que mudaria para sempre toda sua vida, seu conceito do belo e do sexo. Os seios de Carol.

Nunca mais enxergaria nada tão esplendoroso. Seus amigos mais próximos zombavam dele e, mesmo adulto, peitos e peitos depois, ainda tinha em mente aquela imagem. E só em pensar na imagem lembrava de todos os detalhes: o cheiro, o sabor, a maciez da pele. Sim, isso mesmo. Ele havia chegado muito mais perto do que aquela simples espiadela no quarto.

Foi numa noite quente de verão, aquelas em que os ventos mornos inspiram mil desejos e fantasias, que Carolina entrou em seu quarto. Uma semana antes, ela o xingara, vermelha, tensa. Mas desta vez foi diferente. Ela o acordou com um beijo doce e perguntou, ao pé do ouvido: “Você o quer?”. Miguel, com a respiração trôpega e descontrolada, apenas fez que “sim” com a cabeça, e ela lhe deu o presente. Abaixou a alça da camisola branca, e deixou à mostra sua obra-prima. “Pode olhar. Eu sei que você gosta”. Miguel se sentou na cama e ficou minutos, deliciosos e intermináveis, olhando aqueles dois seios arrepiadinhos na sua frente. Não ousava tocá-los. Tinha medo que ela fugisse, indignada.

Mas Carol foi além. Com os lábios molhados, pediu: “Beija aqui”. Ele não hesitou um segundo e pôs a boca no seu tão sonhado objeto de desejo. E lá, ele se deleitou, mordeu, sugou, beijou rápido, leve, devagar, forte. E o vento os envolvia. Carol resplandecia. Miguel? Estava em estado de êxtase, era puro amor, puro tesão, pura paixão. Parecia que aquele momento havia durado uma noite inteira. Mas foram apenas alguns minutos. Ela de repente se afastou, levantou a alça da camisola, sorriu como um anjo e voltou para o seu quarto.

domingo, novembro 19, 2006

Ricardo

Ricardo sempre foi de falar pouco, mas de uns meses pra cá andava quase mudo. Dizia só o estritamente necessário. Só conversava com alguém se puxassem assunto e, mesmo assim, o papo só rendia se o interlocutor o inspirasse. Gustavo, seu melhor amigo, chegou a contar seis palavras pronunciadas por Ricardo em um dia inteiro. "Você está como a Liv Ullman em Persona", disse ao amigo-mudo. Mas para Ricardo, seu silêncio passava longe do da personagem de Bergman. Elizabeth Vogler estava em crise com a sua arte e, por isso, decidiu calar-se, para não mais mentir. "Quero falar, mas as palavras não vêm. Então fico quieto", explicou Ricardo, num dia em que não estava tão mudo assim.

Ele admirava os falantes compulsivos, ou aqueles simpáticos que tornam qualquer conversa agradável. Ricardo tinha complexo de ruim de papo. Alguns homens são ruins de cama, ele era ruim de papo. Conseguia ficar horas pensando no nada, ou regurgitando coisas repetidas, exibindo as mesmas cenas no telão do cérebro, às vezes com diálogos diferentes, ou outros pontos de vista.

"Por que você não entra num grupo de discussão? Pode estimular", sugeriu Gustavo, cansado dos monólogos no pé-sujo da esquina. Ricardo empalideceu ao imaginar-se num lugar onde seria obrigado a falar. Nada pior do que ser forçado a abrir a boca, ou a opinar sobre alguma coisa. Além dos falantes compulsivos, havia outro nicho do qual ele morria de inveja: os homens que tinham opiniões formadas. "São tão incisivos", pensava. É que, no fundo, pra ele, tudo tanto faz, então pra que opinar sobre esse tudo que tanto faz? Mas ele precisava opinar, para se fazer ouvido e respeitado. Só não conseguia.

As épocas de eleição, então, eram as piores, que é quando todo mundo se transformava em comentarista político. "Qual sua opinião sobre fulano?''. "O que você acha do governo de sicrano?". Pavor! Ainda bem que Ricardo nunca foi entrevistado. Senão iriam descobrir o que realmente se passa em seu cérebro: nada. Sua fama de introvertido, que pode até ser charmosa algumas vezes, transformaria-se na de burro. Burro, não. Cabeça-oca. Por isso, ele vai continuar calado. E nunca, mas nunca mesmo, dará alguma entrevista.

*Paulinho da Viola - Timoneiro

sexta-feira, novembro 03, 2006

Criatividade em dose tripla

Criatividade é uma palavra que me persegue. Dizem que geminianos são criativos. Canhotos são criativos. Recentemente descobri que pessoas com sangue tipo B também são criativas. Meus Deus, eu tenho a obrigação tripla de ser criativa. Está nas estrelas, nas mãos e no sangue! Para provar que faço jus a esta classificação, vou tirar da cartola uma história. Agora. Recém-saída do forno. Vamos lá. É a história de Sandra. Ela chega em casa depois de um dia complicado no trabalho. Brigou com o chefe. Tropeçou na rua. Levou cantada do peão desdentado. Pisou no cocô do cachorro. Tudo o que ela queria era um banho quente e um colinho de Sérgio. Sérgio, não, tem "s" também. Carlos. Tudo o que ela esperava era um colinho e um beijo de Carlos. Abre a porta de casa, dirige-se ao quarto. A porta está entreaberta, está tocando Portishead. Ela adora, provavelmente Carlos colocou para recebê-la. Sandra abre a porta, devagar. Em sua cama king size, digo, queen size, vê a forma de dois corpos sob o lençol. Apenas os quatro pés para fora. Quatro pés roçando entre si, quatro pés horrorosos e mal-feitos. Um deles tinha unha encravada. Malditos, que pés são esses? Carlos, desgraçado, o que está fazendo na nossa cama?, ela grita. Carlos salta, os olhos na testa. Sandra tem um choque ao ver a pessoa com quem o marido estava deitado. Carlos, eu não acredito... Você... Com... Sandra não consegue terminar a frase. Carlos corre para Sandra, tenta beijá-la. Ela tem ânsia de vômito, ela parece que vai... Ela vomita. Num surto de autoflagelação, Carlos se ajoelha e bebe o líquido jorrado pela amada. Pede perdão, agarra-se às suas pernas. Sandra se desvencilha daquele ser rastejante e asqueroso, dirige-se à pessoa cujo pé tem a unha encravada. Dá-lhe um tapa e diz: Eu não acredito que você fez isso comigo, mãe. Sai, deixando a mãe nua com o rosto vermelho, e Carlos ajoelhado no vômito, em prantos.