segunda-feira, janeiro 19, 2009

Alô, Waldirene?

1: Seu problema é autoboicotismo crônico, senhor. 

2: E o que seria isso? 

1: Simples. O senhor sabota sua vida. Coloca empecilhos para justificar sua depressão – que eu inclusive acho que o senhor saboreia. 

2: Eu saboreio minha depressão?? 

1: Sim. No fundo, o senhor gosta de ser um loser. Chorar suas pitangas para os amigos, dizer-se impróprio para a vida. 

2: Mas eu sou mesmo. Minha vida não caminha. Vejo os outros correndo por fora. Eu não luto e nem tenho forças para tal. 

1: Loser, senhor. 

2: Pare de me chamar de loser! 

1: Não grite comigo, senhor. 

2: Eu quero morrer. E vou fazê-lo esta noite. 

1: Isso é egoísmo, senhor. Pense no sofrimento dos que vão ficar. 

2: Então vou para um mosteiro. Vou me enclausurar. 

1: É uma maneira covarde de fugir da vida, não acha? 

2: Ah, me ajude, então, o que eu devo fazer? 

1: Para começar, pare de ligar para mim. Eu não posso lhe ajudar. 

2: Mas a sua voz me acalma. 

1: O senhor não tem amigos? Precisa importunar uma operadora de telemarketing todos os dias? 

2: Você é minha única amiga, Waldirene. 

1: Eu nem sei seu nome, senhor. Com licença, preciso atender outra ligação. 

2: Alô??? Waldireneeee!

quinta-feira, janeiro 15, 2009

O Outro

No início de tudo, Y. tinha uma certa curiosidade em relação ao Outro. Natural, ambos estavam dividindo certas coisas e sentiam vontade de descobrir quem era o invasor. Sabia das inseguranças do Outro e as entendia como um processo que, um dia, chegaria ao fim.

O tempo passou, Y. foi se esquecendo do Outro e ambos pareciam estar seguindo suas vidas. Eventualmente ouvia opiniões de pessoas próximas sobre o Outro: Fulano o achava antipático, pois não conversava com ninguém; Beltrano o chamava de chato porque o Outro bebia pouco e ia sempre embora cedo. Um terceiro revelou ainda que o Outro tinha o “rei na barriga” e nunca nem lhe disse “bom dia”.

Y. nunca pensou que o Outro era tão odiado e ia ouvindo os relatos com um certo prazerzinho. Afinal, todos adoravam Y. e elogiavam sempre o fato de ele ser mais agradável que o Outro.

Mas o tal prazer de ser melhor deixou-o intrigado quando percebeu que o Outro continuava vigiando sua vida. De alguma forma, sentia-se encurralado por ele, como num estranho Big Brother virtual. Y. sabia que era observado, e que o Outro, inconscientemente, queria estar em seu lugar.

Hoje em dia, Y. espera que isso passe rápido. Ou que, quem sabe, ele e o Outro possam se tornar amigos. Porque, como diriam os besouros ingleses...

“Life is very short and there’s no time for fussing and fighting, my friend”.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Por onde anda...

...Nikka Costa?

Bem aqui!

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Ei, você aí...

Para os meus amigos e leitores que ainda não tiveram a chance de abrir o "Não Abra":

Prometo aos que moram perto uma dedicatória carinhosa. E aos que moram longe, um email afetuoso.

Para quem quiser relembrar o dia 26/08/08, clique aqui!

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Suco de bobagens

Seu Ananias desceu as escadas lépido como um coelho. “Nunca me senti tão bem. Meu filho, me traz aqueles pesos que eu tô querendo ficar forte hoje”. Alberto estranhou o vigor do pai, minutos atrás estava prostrado no sofá vendo Discovery Channel. “You and me, baby, we’re nothing but mammals, so let’s do it like they do on the Discovery Channel”. “Pai, o que é isso??”. Seu Ananias estava cantando e rodopiando no meio da sala. Alberto se assustou e foi ter com a mãe na cozinha. Algo estranho estava acontecendo com seu pai. “Filhinho, me ajuda aqui. Estas panelas estão todas tortas, não servem mais”. Dona Rosinda estava agachada em frente ao armário da cozinha se livrando de todas as panelas de que cuidou carinhosamente por toda vida. “Mãe, como a senhora vai cozinhar se jogar todas as suas panelas no lixo?”. Dona Rosinda, sem parar o que estava fazendo, simplesmente disse: “E quem precisa comer aqui, meu filho? Cada um pode caçar sua própria comida. O homem tem garras e dentes pra quê, me diz? Além disso, eu acabei de concluir que todos podemos ser vegetarianos. Comer só frutas, verduras e legumes crus. Comer carne é crime, você já pensou?”. Alberto não conseguiu dizer uma palavra. Até porque sua mãe continuou a verborragia, “É crime, meu filho. São animais assa-ssi-na-dos. Morte matada. E eu não vou mais compactuar com isso. Vá. Vá chamar seu pai que ele vai se livrar dessas panelas para mim”. Alberto, achando que o mundo tinha enlouquecido, voltou para a sala e lá estava seu Ananias fazendo uma dança estranha de frente para a TV. “Albertinho, meu filho, descobri que minha dança sensual enlouquece as mulheres. Tá vendo ela ali? Não para de rir. Tá no papo”. Alberto foi conferir quem era a mulher na televisão que estaria louquinha pelo seu pai. Era a Xuxa, em uma reprise de um programa bizarro qualquer dos anos 80. Ela tomava um sorvete e olhava rindo para a câmera. “Veja, filho, veja como ela me quer”. E seu Ananias rebolava de frente para a tela, deixando o rapaz vermelho de vergonha. Alberto subiu as escadas, de dois em dois degraus. Precisava de alguém para compartilhar aquele inferno todo. O mundo enlouqueceu e ele era o único normal? Entrou no quarto de Alípio, o irmão mais novo. “Cara, tem uma coisa surreal rolando lá embaixo e você precisa...”. Não terminou a frase. Alípio estava pelado em frente a janela, balançando seus pertences para quem quisesse ver. “Caralho, sai daí, pelo amor de Deus. Até você?”. Alberto olhou para a rua e uma pequena multidão se aglomerava em frente à sua casa. “Tira! Tira! Tira!”, gritavam os passantes, em polvorosa. Alberto puxou o irmão e o enrolou em uma toalha. “Alípio, olha pra mim. O que está acontecendo?”. O garoto começou a rir. Riu sem parar, por minutos, deixando Alberto desesperado e irritado. Agarrou o irmão pelos braços e o sacudiu: “Puta que pariu, o que é isso?”. Ainda rindo convulsivamente, Alípio respondeu: “É o suco, cara. Você não tomou o suco?”. “Que suco??”. “O suco de laranja que eu fiz. Você não tomou, né? Hahahaha! Não mesmo, dá pra ver! Você tá puto, né, brother?”. E seguiu rindo até quase não se agüentar. Alberto entendeu, então, a razão para aquele surto coletivo em sua família. O irresponsável do seu irmão havia colocado ácido no suco de laranja. Seus pais tomaram e enlouqueceram. Alípio, claro, pirou. E Alberto agora era o único normal dentro de sua própria casa. Logo ele, o filho-problema, o doidão da família. Agora estavam todos provando do próprio veneno, e até mesmo gostando. Hipócritas. “Valeu, irmão. Agora quero ver todo mundo chafurdando no doce”, disse Alberto. Desceu as escadas, passou pelo pai, que naquele momento estava copulando com uma almofada, tal qual um cão, passou pela cozinha, onde sua mãe, deitada no chão, gritava de alegria que estava num mar de panelas, e foi para a rua. Voltou somente no dia seguinte, em silêncio, quando tomou café-da-manhã com a mãe e o pai, envergonhados. Alípio sorriu, maroto, e piscou para Alberto em cumplicidade.