quarta-feira, novembro 11, 2009

Mamões amassados

Com dificuldade, abriu a porta de casa e colocou a caixa de mamões amassados sobre a pia da cozinha. Olhou aquelas frutas feias e se perguntou por que as havia comprado.

Naquele dia, Lia havia deixado de ir à feira cedo porque deveria lavar a louça. Enquanto secava os pratos, lembrou-se da poeira sob o sofá e do dinheiro que deveria depositar no banco. Tirou o pó, foi ao banco e só na volta conseguiu passar na feira. Tudo o que conseguiu foram os mamões amassados.

O calor que fazia naquele meio-dia de segunda deve tê-la deixado de miolo mole. Lia começou a achar ridículas todas as necessidades básicas do homem, principalmente esta por comida. Viu os últimos fregueses caçando a xepa e imaginou-os animalescos, comendo os mamões amassados, as sementes pretas escorrendo no canto da boca. Tão simplório este ato de comer, para depois eliminar, e depois comer de novo. No futuro, ninguém se importaria com os hábitos daquelas criaturas, com o que faziam ou deixavam de fazer.

Ela também, Lia, fazia parte deste ciclo e seria esquecida. Quem vai saber que ela deixou de ir à feira para lavar a louça, e por isso teve de se contentar com mamões amassados? Achou suas necessidades mundanas muito pequenas para continuá-las repetindo. Só pensava no futuro e na sua ausência dele. Não haveria registro de sua estúpida rotina. Lia seria mais uma foto embolorada, perdida em álbuns de família, com a expressão de uma pessoa do século passado, mórbida como num filme de fantasmas.