segunda-feira, fevereiro 16, 2009
A fobia de Quito
Quito pensou três vezes antes de entrar na livraria. Sabia que, quando ultrapassasse a porta de vidro seria tomado por sentimentos confusos e autodestrutivos. As estantes e seus livros ameaçadores jogariam na cara dele toda sua futilidade. As linhas já escritas pelo homem desde que o mundo é mundo serviriam-lhe como decreto: tudo que merecia já foi escrito. Até o que não merecia também, e Quito não queria fazer parte do grupo dos escritores banais que escrevem o que não merece ser lido. A porta de vidro abria e fechava, com leitores entrando e saindo com pacotes nas mãos. O que tanto eles compravam? Que livros são esses que os fizeram tirar dinheiro do bolso? Quito já escreveu tanto, e só para si mesmo. Nunca teve culhão de publicar seus atabalhoados pensamentos, temperados pelos anos de solidão e esquizofrenia. No entanto, os livros abarrotados na estante lhe diziam, era possível vomitar idéias e deixá-las à mostra. E daí? Quem iria querer se ocupar de suas letrinhas? Quito estava parado, a porta abrindo e fechando, o segurança olhando de cara feia. Ele não iria conseguir. Deu um passo para frente. Deu dois. E a livraria o sugou para dentro. Estava feito, Quito parou perante as estantes, sentiu-se sufocado, humilhado, diminuído. Pensou no colo de sua mãe. Era tão mais fácil na infância, quando os livros eram seus companheiros, e não objetos para uma autoanálise. Resolveu buscar forças onde não tinha, pegou uma dezenas deles e foi para a fila do caixa. “Estes livros não vão mais judiar de mim”. Lembrou-se do velho ditado, se não pode vencê-los, junte-se a eles. Saiu da livraria carregado de volumes, de mãos dadas com Virginia Woolf, Mark Twain, Caio Fernando Abreu, Saramago e outros antigos sufocadores. Eram seus amigos, mais uma vez.
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4 comentários:
Lindo, como sempre.
ótimo.
Maravilhoso. Seria kafkiano se não tivesse final feliz.
Meu curti muito este post, às vezes me pego buscando estes velhos amigos também.
;)
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