terça-feira, dezembro 29, 2009

Contorcionismo

Quando sentou naquela cadeira preta carregada de pastas, papeis e laptop, sabia que iria precisar de um intenso trabalho psicológico para não desmaiar. Suas mãos, traidoras como sempre, não tremiam: trincaram. Os dedos contorcidos para dentro, sinal de perda de controle, de medo e insegurança. Aquela apresentação seria a cereja do bolo catastrófico que era sua vida, assado entre vexames de timidez e constrangimento.

As velhas cenas passaram novamente em sua cabeça, como o início de um clipe bizarro cujo fim se daria dali a minutos. Lembrou-se do desmaio durante a apresentação de um reles seminário de História na quinta-série. Da tentativa de esconder do parceiro as mãos torcidas de nervoso enquanto perdia a virgindade, há 15 anos. Da sensação de surdez ao ser chamada pelos pais de prostituta na frente dos amigos, só porque havia convidado um ex-namorado para uma festa. Das dezenas de entrevistas de emprego em que simplesmente perdeu a memória e não conseguia se lembrar do próprio nome.

Com o tempo, aprendeu a controlar um pouco os ataques de pânico, mas, ainda assim, não conseguia ser natural quando se sentia pressionada em público. Sua técnica era respirar fundo, dizendo para si mesma ‘Eu vou conseguir’, ou qualquer bobagem ensinada em livros de auto-ajuda. Ficava perdida em um mundo paralelo até se recuperar e falar qualquer coisa com sujeito e predicado.

Agora estava pronta para ser crucificada perante a chefia. Cabeças internacionais, pessoas de negócios, raposas de pensamento, gente que ela odiava com todas as forças. Talvez não conseguisse ler os números no Power point, ou apontar para a tela projetada na parede. Talvez nem o laptop ela conseguisse abrir, já que os dedos estavam cravados na palma de sua mão. Em seu cérebro boiava um iceberg, gelando os neurônios. Desta vez, seria fatal, ela sabia que não sairia viva dali. ‘Rezem por mim’, pensou, antes de entrar na sala. Rezem quem? Ninguém sabe que ela é assim. E se soubessem, iriam olhar com o desprezo dos superiores.

Ela está sozinha. É o fim.