terça-feira, dezembro 26, 2006

Amanhã eu vou...

Escrever um verso sobre os poetas e homens livres
Falar sobre a luz mágica do sertão
E o calor humano dos sertanejos

Amanhã eu vou
Cantar a música que vem do fundo
Da terra seca, do vento quente e da voz estridente

Vou fechar os olhos e ouvir
As crianças gritando "Galeguinha", "Minha mãezinha"
Mãezinha? Lá fui mãe, sim
E amiga
Amante
Parceira
Respirei poeira
Comi macaxeira

Amanhã eu vou
Tentar colocar tudo em ordem
(de novo, mais uma vez, quem sabe, fazer uma lista?)
A fonte secou
Amanhã eu vou. Ou não vou?
Ou já fui?
Acabou.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Os seios de Carolina

Não havia como negar: ele tinha olhado. Sem pudores, sem vergonha. Carolina estava vermelha de ódio, de vergonha. Pegou seu próprio primo a espiando trocar de roupa no quarto. Na verdade, só trocara de blusa, mas foi o suficiente para que ele os visse. Nem em seus sonhos podia imaginar que fossem tão bonitos. A cor, o formato, a textura... Miguel mal conseguia ouvir a bronca da prima, que o xingava dos mais diversos palavrões. Em sua cabeça, dançavam como dois botões de rosa ao vento, os seios de Carolina.

Saiu do quarto dela como que hipnotizado. Foi para o jardim da casa da tia Cecília e pôs-se a olhar aqueles botões de rosa. Carolina, Carolina... Que perfeita simetria! Quando deu por si, estava tocando com os lábios as pétalas das flores. Dos lábios para o rosto, do rosto para os cabelos, dos cabelos para suas suadas mãos. Obcecado, sim, por um par de seios. Muito mais bonitos do que todos aqueles que já vira antes nas revistas que seu pai lhe dava.

Desde criança tinha um certo fascínio pela prima. Não conseguia ser ele mesmo quando estava perto dela. Sua beleza o deixava tonto. Mas só agora, aos 15 anos, conseguiu entender por que ficava daquele jeito. Carolina era uma deusa, e sobre ele exercia seus poderes divinos. Era um direito dela: quem nascia assim tão linda, podia tirar qualquer um do sério. Assim, sem culpa. Talvez fosse imbuído por esta força que espiou na fresta da porta entreaberta do quarto da menina. E lá teve a visão que mudaria para sempre toda sua vida, seu conceito do belo e do sexo. Os seios de Carol.

Nunca mais enxergaria nada tão esplendoroso. Seus amigos mais próximos zombavam dele e, mesmo adulto, peitos e peitos depois, ainda tinha em mente aquela imagem. E só em pensar na imagem lembrava de todos os detalhes: o cheiro, o sabor, a maciez da pele. Sim, isso mesmo. Ele havia chegado muito mais perto do que aquela simples espiadela no quarto.

Foi numa noite quente de verão, aquelas em que os ventos mornos inspiram mil desejos e fantasias, que Carolina entrou em seu quarto. Uma semana antes, ela o xingara, vermelha, tensa. Mas desta vez foi diferente. Ela o acordou com um beijo doce e perguntou, ao pé do ouvido: “Você o quer?”. Miguel, com a respiração trôpega e descontrolada, apenas fez que “sim” com a cabeça, e ela lhe deu o presente. Abaixou a alça da camisola branca, e deixou à mostra sua obra-prima. “Pode olhar. Eu sei que você gosta”. Miguel se sentou na cama e ficou minutos, deliciosos e intermináveis, olhando aqueles dois seios arrepiadinhos na sua frente. Não ousava tocá-los. Tinha medo que ela fugisse, indignada.

Mas Carol foi além. Com os lábios molhados, pediu: “Beija aqui”. Ele não hesitou um segundo e pôs a boca no seu tão sonhado objeto de desejo. E lá, ele se deleitou, mordeu, sugou, beijou rápido, leve, devagar, forte. E o vento os envolvia. Carol resplandecia. Miguel? Estava em estado de êxtase, era puro amor, puro tesão, pura paixão. Parecia que aquele momento havia durado uma noite inteira. Mas foram apenas alguns minutos. Ela de repente se afastou, levantou a alça da camisola, sorriu como um anjo e voltou para o seu quarto.

domingo, novembro 19, 2006

Ricardo

Ricardo sempre foi de falar pouco, mas de uns meses pra cá andava quase mudo. Dizia só o estritamente necessário. Só conversava com alguém se puxassem assunto e, mesmo assim, o papo só rendia se o interlocutor o inspirasse. Gustavo, seu melhor amigo, chegou a contar seis palavras pronunciadas por Ricardo em um dia inteiro. "Você está como a Liv Ullman em Persona", disse ao amigo-mudo. Mas para Ricardo, seu silêncio passava longe do da personagem de Bergman. Elizabeth Vogler estava em crise com a sua arte e, por isso, decidiu calar-se, para não mais mentir. "Quero falar, mas as palavras não vêm. Então fico quieto", explicou Ricardo, num dia em que não estava tão mudo assim.

Ele admirava os falantes compulsivos, ou aqueles simpáticos que tornam qualquer conversa agradável. Ricardo tinha complexo de ruim de papo. Alguns homens são ruins de cama, ele era ruim de papo. Conseguia ficar horas pensando no nada, ou regurgitando coisas repetidas, exibindo as mesmas cenas no telão do cérebro, às vezes com diálogos diferentes, ou outros pontos de vista.

"Por que você não entra num grupo de discussão? Pode estimular", sugeriu Gustavo, cansado dos monólogos no pé-sujo da esquina. Ricardo empalideceu ao imaginar-se num lugar onde seria obrigado a falar. Nada pior do que ser forçado a abrir a boca, ou a opinar sobre alguma coisa. Além dos falantes compulsivos, havia outro nicho do qual ele morria de inveja: os homens que tinham opiniões formadas. "São tão incisivos", pensava. É que, no fundo, pra ele, tudo tanto faz, então pra que opinar sobre esse tudo que tanto faz? Mas ele precisava opinar, para se fazer ouvido e respeitado. Só não conseguia.

As épocas de eleição, então, eram as piores, que é quando todo mundo se transformava em comentarista político. "Qual sua opinião sobre fulano?''. "O que você acha do governo de sicrano?". Pavor! Ainda bem que Ricardo nunca foi entrevistado. Senão iriam descobrir o que realmente se passa em seu cérebro: nada. Sua fama de introvertido, que pode até ser charmosa algumas vezes, transformaria-se na de burro. Burro, não. Cabeça-oca. Por isso, ele vai continuar calado. E nunca, mas nunca mesmo, dará alguma entrevista.

*Paulinho da Viola - Timoneiro

sexta-feira, novembro 03, 2006

Criatividade em dose tripla

Criatividade é uma palavra que me persegue. Dizem que geminianos são criativos. Canhotos são criativos. Recentemente descobri que pessoas com sangue tipo B também são criativas. Meus Deus, eu tenho a obrigação tripla de ser criativa. Está nas estrelas, nas mãos e no sangue! Para provar que faço jus a esta classificação, vou tirar da cartola uma história. Agora. Recém-saída do forno. Vamos lá. É a história de Sandra. Ela chega em casa depois de um dia complicado no trabalho. Brigou com o chefe. Tropeçou na rua. Levou cantada do peão desdentado. Pisou no cocô do cachorro. Tudo o que ela queria era um banho quente e um colinho de Sérgio. Sérgio, não, tem "s" também. Carlos. Tudo o que ela esperava era um colinho e um beijo de Carlos. Abre a porta de casa, dirige-se ao quarto. A porta está entreaberta, está tocando Portishead. Ela adora, provavelmente Carlos colocou para recebê-la. Sandra abre a porta, devagar. Em sua cama king size, digo, queen size, vê a forma de dois corpos sob o lençol. Apenas os quatro pés para fora. Quatro pés roçando entre si, quatro pés horrorosos e mal-feitos. Um deles tinha unha encravada. Malditos, que pés são esses? Carlos, desgraçado, o que está fazendo na nossa cama?, ela grita. Carlos salta, os olhos na testa. Sandra tem um choque ao ver a pessoa com quem o marido estava deitado. Carlos, eu não acredito... Você... Com... Sandra não consegue terminar a frase. Carlos corre para Sandra, tenta beijá-la. Ela tem ânsia de vômito, ela parece que vai... Ela vomita. Num surto de autoflagelação, Carlos se ajoelha e bebe o líquido jorrado pela amada. Pede perdão, agarra-se às suas pernas. Sandra se desvencilha daquele ser rastejante e asqueroso, dirige-se à pessoa cujo pé tem a unha encravada. Dá-lhe um tapa e diz: Eu não acredito que você fez isso comigo, mãe. Sai, deixando a mãe nua com o rosto vermelho, e Carlos ajoelhado no vômito, em prantos.

terça-feira, outubro 17, 2006

Pássaro verde


Laio acordou de manhã com um aperto no peito. Andou pela casa, foi ao quarto dos pais. O silêncio do sono alheio o fez chorar. Foi para a sala, sentou-se e abriu o jornal. Percorreu as editorias, repletas de notícias tristes. Abriu a página de horóscopo. "Não se culpe por tudo", dizia o sei-lá-quem que inventou as previsões. Saltou do sofá e foi para a varanda. Silêncio. Era cedo demais para o mundo acordar ou era ele quem estava surdo? Viu um pássaro verde fazer um razante, o único ser vivo a se mexer àquela hora. Pegou um pedaço de papel e, num sopro de coragem, escreveu:

"Existir é um fardo. Nascemos e morremos sós, mas passamos a vida buscando fugir desta sina. É só olhar em volta e ver que todo homem é solitário. Tento resolver, mas não adianta. Tento te dizer, mãe, que você é solitária por ter passado anos moralmente subjugada. Agora é tarde demais. Tento te avisar, pai, que você anda só por não saber se comunicar com o outro. Seus amigos se foram. Ou talvez nunca tenham existido. Tento avisar aos doentes que o tempo deles já acabou. Aos meninos de rua, que logo eles serão mortos por uma bala na cabeça. Tento dizer às mulheres, 'não tenham filhos'. Tento voltar para casa e esquecer que sozinho eu enlouqueço, então vou deixar a solidão tomar conta de tudo. Tento escutar, mas só o que ouço é o nada. Tento ver, e só o que se mexe é o pássaro verde, que fugiu para ser livre".

Sem assinar o bilhete, nem corrigir os erros, Laio colou o papel na geladeira com um imã de farmácia. Abriu a porta de casa e nunca mais voltou.

*Obsessão do dia: Love Street, The Doors.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Notícias do submundo

Que existem várias realidades diferentes da nossa, isso é óbvio. Mas é engraçado se deparar com elas, assim, de supetão. Estava eu indo para o trabalho quando vejo aquele tradicional burburinho na lateral da banca de jornal. Eu, que só leio O Globo, confesso que de vez em quando paro junto com o povão pra ver o que tá rolando no submundo. E gente... Vocês já viram as manchetes de hoje? A chapa está quentíssima! A saber:

Notícia 1: Filha de Gretchen declara: "Eu gosto mesmo é de mulher!". A notícia, estampada na capa do Meia Hora (ou do Expresso, tanto faz), vem com uma foto da dita cuja sendo sodomizada pelo amor de sua vida, a sortuda Patrícia. E para o leitor não perder nenhuma linha desta história interessantíssima, o jornal anuncia que amanhã tem mais: Tammy vai contar o que ela faz para ter prazer com a parceira. Opa! Não posso deixar de perder.

Notícia 2: Eliana esquece o microfone ligado e deixa escapar detalhes do que mais gosta de fazer na cama. Também na capa do Meia Hora (ou do Expresso, tanto faz). Outra informação super-útil na minha vida. Imagina Eliana na hora H cantando "dedos médios, dedos médios, onde estão?". Como diria um amigo meu... Cruzes! +++++++

Notícia 3: Ator da Globo é preso drogado e precisa ser amarrado na maca! Na capa do Meia Hora (ou do Expresso, tanto faz), a foto do pobre garoto na situação citada na manchete. Nesse caso eu fiquei com pena... A foto me chocou.

Depois de ler tais notícias, e perceber como elas atraíam o povão na rua (inclusive eu), tive aqueles minutos de consciência da realidade, pelo menos da que é totalmente diferente da minha. Primeiro, o que me veio à cabeça foi: "Meus Deus, o que está acontecendo com o mundo???". Depois desisti. Não pensei em questões políticas, nem naquele clichê "ah, isso acontece porque a educação no Brasil é uma merda". Nada disso. Simplesmente achei graça. E esse post, que começou com clima de TV Fama, não vai terminar Canal Futura. Não tem moral da história. Aliás, acho isso um saco.

PS: Não tenho problemas com lésbicas, nem com as loucuras que os outros fazem na cama e muito menos com as doideiras alheias! Só acho engraçado isso ser capa de jornal...

quarta-feira, setembro 27, 2006

Refresh da vida

Arrumar o quarto significa muito mais do que ajeitar algumas coisas e jogar outras fora. É quase um "refresh" da vida, é quando você se livra de antigos fantasmas, se desapega de coisas que sempre foram desnecessárias, mas só agora se deu conta. Meu quarto é rearrumado de tempos em tempos - segundo minha mãe, esta arrumação deveria ser mais freqüente. Talvez ela esteja certa. Talvez se eu arrumasse o quarto mais vezes, arrumaria também meus pensamentos. Se o lugar onde você dorme é um caos, provavelmente sua mente é um caos.

Outro dia parei para pensar na questão do desapego. Quando era mais nova, não queria jogar fora as provas do colégio. Ficava triste quando minha mãe dizia que eu deveria escolher só algumas para a posteridade, porque o resto iria para o lixo. Quase chorava na hora de selecionar as felizardas. Cada uma significava algo para mim: uma professora de quem eu gostava, uma questão que levou parabéns. Mas foi só o tempo passar para tudo isso sofrer do mal (ou bem) do desapego. Ao entrar na faculdade, queria jogar toda a papelada do colégio fora. Aí quem ficou com pena foi minha mãe. Ela não conseguiu se desapegar da minha infância.

Agora, neste momento, meu quarto está lá. Pseudoarrumado, com quilos de coisas escondidas nos armários. Coisas que já foram muito importantes um dia, mas que hoje só ocupam espaço. Já me libertei de muitas delas, falta só tempo e paciência para jogar tudo fora. São trabalhos da faculdade, cartas de amigos que não existem mais. Não, não vou jogar fora as cartas. Pra ser sincera, sempre me emociono quando as leio. Além disso, daqui a 10, 20 anos, quando eu quiser arrumar meu armário, não vou encontrar as cartas dos amigos de hoje. Elas estão no computador.

Aliás... Preciso organizar meu HD.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Lições do Vaticano

Olhou aquela multidão se dirigindo à Praça de São Pedro. "Droga! Hoje é quarta, dia de Papa", pensou. Mas resolveu seguir em frente mesmo assim. Seu último dia em Roma, não teria como não ir ao Vaticano. Ao chegar na praça, irritou-se com a massa fanática aguardando ansiosa a aparição do bom velhinho com cara de mau (sim, Bento XVI assusta). Legiões de jovens segurando bandeirinhas, entoando cânticos em línguas diversas. A irritação inicial se transformou num imenso sentimento de pena. Aquelas pessoas estavam ali não porque eram felizes, pensou. Mas porque precisavam de ajuda. Olhou para o palco, que era enorme, mas que de tão distante parecia pequenino. Viu aleijados em suas cadeiras de roda esperando pelo grande momento. Emocionou-se e pensou que talvez tirasse alguma lição desta manhã. Seu coração andava muito amargo.

Os minutos passavam, a multidão se agitava. Ela percebeu que alguns começaram a pular as grades laterais, e assim chegavam quase na frente do palco, sem precisar passar pelo sufoco. Seu jeitinho brasileiro gritou-lhe que aquela era a solução, e começou a imitar os fiéis. Saltou várias cercas de ferro até chegar à última, onde havia um paredão de guardas. Um deles olhou para ela e começou a puxar assunto. Era um cara bonito, italiano típico, de Nápoles. Biaggi, quando soube que ela era do Brasil, deu um sorrisinho safado. "Aposto que ele está com más intenções", pensou ela.

A conversa dos dois seguiu animada, numa língua estranha que misturava português, italiano e inglês. Descobriram que depois da missa iriam para o mesmo lugar, Termini. Ele, para pegar seu trem para a cidade natal. Ela, para voltar ao albergue, que ficava perto da estação. "Vamos embora juntos", disse Biaggi. Até que a gritaria os interrompeu: era o Papa, ele ia passar. Sozinha entre as grades, praticamente num camarote, ela viu a branca figurinha desfilar no papamóvel. Tirou fotos borradas, que sua mãe iria gostar. Uns adolescentes resolveram se aboletar ao lado dela, e Biaggi os expulsou com toda sua autoridade de guarda do Vaticano. Ela riu: estava vendo o papa de "camarote" privativo. Só faltava cerveja e abadá.

Quando a missa acabou, os fiéis começaram a se dirigir à Catedral. O italiano olhou para ela e ordenou (o que se esperar de um italiano, ainda por cima policial?): "Você vai para a igreja, faz sua visita e depois nos encontramos aqui às 13h, quando acaba meu turno". Sí, segnore, capisco! Ela foi à igreja, tirou mais fotos para a mãe. Pietá. Túmulo de São Pedro. Capelinhas. Não conseguiu rezar.

Às 13 horas, foi ao encontro de Biaggi. Ela estava apertada, queria fazer xixi. Ele a colocou num banheiro reservado do Vaticano. Quando ela saiu, ele a surpreendeu com um beijo roubado, e quase foram flagrados por outros guardas. "Agora é que vou para o inferno", pensou ela. De mãos dadas, ambos se dirigiram para o ponto de ônibus. A idéia dela era beijá-lo durante o percurso até Termini e depois dizer adeus. "Baccino, baccino", pedia ele. Ela achava graça do rapaz, tão novinho, 23 anos e já cheio de poder. Chamou-o de bambino, ele prometeu mostrar-lhe que não era tão bambino como parecia. Passou a viagem de ônibus tentando convencê-la de ir para o hotel dele. "Nem conheço você", ela dizia, tremendo com os beijos que ele lhe dava. Quase chegando em Termini, ele argumentou (na estranha língua que ambos falavam) que era o último dia dela na Itália, que os dois nunca mais iriam se ver e que ela não era mais uma menina para ficar tão cheia de dedos. Isso feriu seu orgulho de mulher independente e bem-resolvida.

Ao descerem no terminal, seguiram de mãos dadas até o hotel. Depois de uma tarde feliz, despediram-se. "Buona vita, brasiliana". "Buona vita, bambino".

quinta-feira, setembro 21, 2006

Theo

Theo se sente velho. Não só por ver seu corpo definhando, pululando de problemas, dores e texturas estranhas.
É sua cabeça que de repente voou décadas à frente.
Não se anima mais com festas. Trancar-se num cubículo fumacento para ouvir música, mexer o corpo, enlouquecer?
Acha que é perda de tempo, diversão aculturada, sem sentido.
Enjoou dos lugares, das pessoas, até das drogas. Enjoou dos beijos vazios e das investidas infrutíferas.
Quer ficar quieto em casa, com seus cobertores, DVDs e sua solidão balzaquiana.
Theo chora quando toma banho.
Se seu filho nem nasceu, ele ainda é o filho, diz a música.
Theo chora no banho. As lágrimas se misturam à água do chuveiro: ele cuida mais dos pais do que os pais dele.
Enjoou da vida. Quer sumir, quer cuidar só de si mesmo.
Quer ter como única responsabilidade o seu próprio corpo, definhando, pululando de problemas, dores e texturas estranhas.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Com neurose! (em ritmo de funk)

O maior pesadelo da minha vida é o tempo. Ele voa, faz ventar os planos, leva-os pra longe, num futuro com o qual não consigo mais sonhar. Como disse Monteiro Lobato na voz boneco-humana de Emília, você pisca e nasce, pisca e cresce, pisca e tem filhos, pisca e fica velho, até o dia em que pisca pela última vez. Dá vontade de manter os olhos abertos, lacrimejando de tanto arder, mas se isso impedir o pisca-pisca, tá valendo.

A rapidez da vida como um todo só perde mesmo para a fugacidade das 24 horas que compõem um dia. Exige-se tanto, perde-se tanto tempo com banalidades. Como uma pessoa consegue, em um dia, arranjar tempo para cuidar da saúde, alimentar-se, ficar bem-informada, ler aquele livro maravilhoso, manter a forma, estar sempre linda, trabalhar, ter momentos de lazer, administrar a grana, dar atenção à família, bater um papo com os amigos, procurar ver e ser vista e ainda fazer algo pela humanidade? Eu não consigo, estou sempre atrasada. Estou sempre correndo, perdendo os ônibus, dando desculpas esfarrapadas, maltratanto meu estômago de tanto estresse e agonia.

E a genialidade, onde fica? Não vai dizer que você nunca pensou em deixar uma obra sua para a posteridade? Eu já. Vou morrer frustrada se minha existência for só uma enxurrada de pisca-piscas inúteis.

sexta-feira, setembro 15, 2006

M.

Ele é misterioso, estranho. Suas mãos pequenas tremem, está sempre de olhos vidrados. Fala e anda com urgência, parece desesperado pra vomitar tudo aquilo que lhe borbulha as entranhas. Mas ainda assim, louco, ela gosta dele, ela quer estar com ele. Fica imaginando como é sua casa, como é o cheiro das suas roupas. Que música ele ouve? Ela sabe que conviver com ele deve ser complicado. Toda aquela energia espasmódica deve cansar. Mas que importa, ela quer beijá-lo, ela o quer. Só fala com ele olhando nos olhos. Sempre que pode encosta as mãos no braço dele. Outro dia, tascou-lhe um beijo no rosto, de supetão. Ele gosta, ah, mas é claro que sim. Mas ela tem que parar com esse estranho fetiche de desejar estranhos só por que eles são estranhos. Isso faz dela uma estranha também?

E as mãos dele tremem. E ele anda de um lado pro outro. E fala. Urgência, agonia, explosão. Suor. "Mas como ele sua", ela pensa, enquanto o observa. Os olhos dela vidrados nele. Os olhos dele vidrados no nada.

Vapor barato

Pensamentos evaporam como poça d'água em dia quente. Aparecem nas piores horas - no ônibus, na hora de dormir. Aí você pensa, pensa que é uma beleza. Coisas lindas, poéticas, profundíssimas. Se acha gênio e o cacete. Mas como aparecem nos momentos impróprios, você sempre deixa pra escrever depois. "Amanhã, quando eu acordar". Porra nenhuma. Você pode até tentar, no dia seguinte, colocar no papel todas as maravilhas que fluíram do seu cérebro horas antes. Mas é tarde demais, elas já evaporaram. Contente-se com as frivolidades.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Vivian


Coitadinha da Vivian, sempre foi uma fodida. Nunca tem dinheiro pra nada, só sai se deixar de almoçar fora, só viaja se deixar de sair no fim de semana, só compra roupa nova duas vezes por ano e olhe lá. Pra conseguir uma coisa, tem que desistir de outra - assim é e assim sempre foi. Desde novinha sabe que tem menos que seus amigos. Na época do colégio, todo mundo viajava pra Disney com 15 anos. Quando entrou pra faculdade, viu os colegas ganharem carros de presente dos pais. Aos 21, todos saíram da casa da família para morarem sozinhos. Ela não teve essas regalias, mas até que não pode reclamar muito.

Um dia Vivian viajou de avião. Era sua terceira viagem aérea na vida, sempre na classe econômica. Mas a colocaram por engano na primeira classe. Achou estranho, mas decidiu não contestar, que ela não é boba. Sentou-se na poltrona enorme, deitou o encosto até a posição horizontal. Espalhou o braço sem precisar disputar espaço com o braço alheio. Hora do almoço, "Peito de pato ou peixe assado com batatas, senhora?". Escolheu peito de pato. "Vinho, senhora?". É lógico. Tomou três taças. Depois mais uma cervejinha pra rebater. Essa tal de primeira classe arrebenta.

Tanto álcool no sangue deixou-a com vontade de fazer xixi. Foi até o banheiro, estava ocupado. Decidiu ir lá atrás mesmo. Chegando na classe econômica, ficou chocada com o que viu. Aquela multidão de pobres-coitados, disputando espaço no descanso de braço. Crianças chorando, pessoas amontoadas em suas cadeiras estreitas, cabeças reclinadas babando de sono. "Coisa pavorosa, Deus me livre", pensou Vivian, do alto de sua soberba recém-adquirida. Mas esse momento, felizmente, durou frações de segundos. Logo se recuperou, entrou no banheiro e fez o que tinha que fazer. Enquanto se limpava com o áspero papel higiênico da classe econômica, pensou: "Poucas horas na primeira classe e me transformei num monstro. Nasci pra ser pobre mesmo". Deus sabe o que faz.

Mindclip

Costumo ter fixações com algumas músicas. Vez ou outra me pego ouvindo a mesma música três, quatro, cinco vezes seguidas. Geralmente monto um clipe na cabeça, geralmente penso em alguém. Sabe aquela coisa Jennifer Lopez, a música tocando e aí o cara aparece, em câmera lenta, agarra a mocinha e os dois se beijam? Assim costuma ser o meu mindclip.

Agora, por exemplo. Já é a terceira vez que ouço "Goodbye yellow brick road", do Elton John. Ontem eu tava mais pra Pet Shop Boys, "Rent". Pior foi a fase Carly Simon. "You know what to do" tocou por vários meses no meu player.

Já sei, tô meio viada, né.

Normal. Quem me conhece, sabe. rs

Um

Hoje em dia todo mundo tem blog. Pensamentos são jorrados na rede todos os dias. Eu, logo eu que sempre escrevi pra cacete, não consigo ter um. Já tentei com um codinome, contando histórias impublicáveis. Outra vez fiz um sobre cinema, que teve a memorável marca de três posts. Mas tem um momento que trava, que não quero escrever, que estou de saco cheio. E esqueço o blog para sempre. Mas eu preciso me livrar dos fantasmas - e isso só consigo escrevendo. Esse blog é pra mim. Se alguém ler, ótimo. Se só eu ler, já está muito bom. É pra isso que ele veio ao mundo.

Então, vamos lá, terceira tentativa. Blog número três, tomada um, ação!