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sábado, maio 16, 2009

Epifania matinal de inverno

Às vezes eu olho tudo de longe, como se não fizesse parte do todo. Só assim consigo enxergar a importância das coisas. Sinto uma pena tão grande que tenho vontade de colocar todos no colo, cuidar e dizer: vai passar. It’s all so beautiful and so sad. E tão misterioso que vai além da minha compreensão. Se bem que às vezes sinto entender tudo, e tenho raiva por choramingar à toa. Se ao menos olhar tudo de longe me fizesse sair do lugar...

domingo, novembro 02, 2008

No future, no future

Presa na torre de silêncio ensurdecedor, tal qual uma Rapunzel descabelada, ela guarda dentro de si o ódio e a angústia. As paredes de onde vive são de papel, a arte é ridicularizada, os livros são de auto-ajuda e o humor, sarcástico. Insuportáveis conversas a forçam sorrir amarelo, bons dias, boas tardes e boas noites falsamente amáveis escondem o desejo pelo grito. Libertem-se! Movam-se! Desburocratizem-se! Na torre de silêncio a vida é chata e inútil, o tempo é fardo, a regra é lei, o marginal, proibido. Rapunzel tenta, por vezes, jogar as tranças pela janela, mas os cabelos quebradiços não sustentam nem o peso de si mesmos. Olhar para o horizonte? Jamais. A paisagem futurista-retrô-sufocante faz as paredes de papel não parecerem tão ruins assim.

quarta-feira, agosto 13, 2008

A favorita

Como pode, ao mesmo tempo, ser sol e lua, yin e yang, sal e açúcar?
Como pode, no mesmo corpo, haver santa e puta, explosão e contenção, frisson e gelidez?
Ela consegue ser escrachada num momento, para no minuto seguinte ruborizar.
Pode dizer as coisas mais sacanas no ouvido de quem deseja, mas quase morre ao ver cenas libidinosas ao lado de parentes.
Ela incorpora, no mesmo dia, Madre Teresa de Calcutá e Salomé.
Acende vela para Deus e outra para o Diabo, e muitas vezes confunde quem é quem.
São várias caras, e nenhuma é falsa. Facetas diferentes de uma pessoa complexa, completa, que emana luzes de cores primárias, que em segundos viram secundárias. Depende do dia, da hora, da companhia, do lugar.
Mas, no fundo, é sempre ela. Sempre verdadeira, saibam todos. Se toparem com uma, e depois com a outra, podem cumprimentar. Ela vai responder com afagos ou mordidas. Depende do dia.

quarta-feira, julho 23, 2008

Procura-se morfina

Ela tem molas que espremem suas entranhas.
Ela tem um animal que corrói o fígado como a ave de Prometeu.
Ela tem agulhas no estômago, alfinetes na vesícula.
Ela tem amarras nas vértebras e hastes cravadas no ouvido.
Ela tem mãos que lhe apertam o coração; sacos plásticos no pulmão.
Tudo nela dói, desde o mindinho do pé ao último neurônio do cérebro.
Mas, como toda mulher, suporta as dores.
Aprendeu a conviver com elas, se bem que anda um tanto farta.
Procurou marceneiros, veterinários, costureiros, marinheiros.
Ninguém conseguiu libertá-la dos objetos de tortura.
Dizem que continua vagando. Buscando, talvez, um farmacêutico que lhe dê injeções de morfina.

sexta-feira, julho 11, 2008

O grito de Joana

O. fez um esforço tão grande para abrir os olhos. Pareciam colados, como se há muito não ousassem piscar. Puxou pela memória e não se lembrou da última cena que viu antes de sentir as pálpebras descerem seu pano preto, indicando o fim do espetáculo. O. sentia que, se quisesse, poderia abrir os olhos de novo. Mas o grito de Joana ecoou em seus ouvidos como aviso, era um grito sem nexo e gutural, mas ele o ouviu como prenúncio. Fazia tempo que aquele grito havia saído da boca de Joana, mas, O. sabia bem, vozes são eternas, repetem-se exaustivamente na cabeça de quem tapa com as mãos os ouvidos.

"Não abra os olhos", era o significado daquele grito, vindo daquela Joaninha espevitada que voejou-lhe a vida por muitos anos e agora vinha pousar-lhe no nariz. Mas O. tinha os olhos fechados há muito, tanto que nem lembrava o porquê. Ignorou o ruído joanístico e de um só lampejo, escancarou os olhos até quase enroscarem-se cílios e sobrancelhas.

Neste exato momento entendeu o desespero de Joana, ela gritou faz tanto, mas o tempo passou e a voz dela tinha razão. Assombrado com o que viu, O. sentiu a vista turvar-se de lágrimas, até que fechou os olhos. Desta vez, por tempo indeterminado e por escolha própria: nunca mais iria enxergar, fosse o que fosse. Joana estava certa. "Matenha-os fechados. Mantenha-se são". Era o que dizia para O., que a obedecia cegamente, em pleonasmo.

terça-feira, maio 27, 2008

Farsa inútil

Tire-a já da mediocridade, é seu dever salvá-la do óbvio.
Salpique cores no bege que a assola.
Empurre-a para o abismo, pois só colidindo com as pedras ela irá respirar.
É seu dever fazer respiração boca a boca, trazê-la de volta à vida, e não esta farsa inútil.
Da farsa inútil já basta todo o resto.
Se ela merece fugir da angústia acachapante, é seu dever resgatá-la.
Se não merece, deixe-a dormir, então. E não a incomode mais.

sexta-feira, abril 25, 2008

Refazendo tudo...

Hoje o post é uma citação. Não que os outros não fossem, mas esta é explícita: "Refazenda", de Gil. Em breve, uma historinha sobre o verso "Nós também somos do mato".

"Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão
Aguardaremos brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
Abacateiro teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
Abacateiro sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
Abacateiro serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário da leveza pelo ar
Abacateiro saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba"

Refaçam, amigos, refaçam! A vida, os desejos, tudo.

terça-feira, abril 08, 2008

Salve, Waly

Sentados numa mesa de bar, mulher e homem conversam.

H: É impressão minha ou um leve purpurinar pousa sobre seus dedos?

M: Porra nenhuma. Falta arte em minha vida. Acho que fui deixando tudo encraquelar pelo caminho. Perdi muitos pedaços.

H: Então recolhe os cacos. E lança essa tua purpurina por aí. As pessoas vão gostar. As pessoas sempre gostam de você.

M: Eu queria era estar em Paris, nos anos 20. Mergulhada na Belle Époque. Mas acho que nos anos 20, ninguém ia achar graça em mim.

H: Nos anos 20, querida, ninguém teria graça. Você iria precisar de muita purpurina. Pensa só: Picasso, Hemingway, Chanel, Beckett? Não é essa mediocridade de hoje em dia.

M: Tirando o Waly. Ele me visitou essa noite. Com seus cabelos encaracolados e sorriso largo de sempre. Ficou repetindo: “A vida é sonho! A vida é sonho! A vida é sonho!”.

H: É um sinal, querida. Preste atenção, pois é um sinal. Waly nunca falha.

M: Sim... Mas eu estou tão cansada...

H: Não importa não, minha honey baby.

domingo, março 30, 2008

Ainda dá tempo de consertar

Logo quando aprendeu a ser livre, deixou-se prender novamente.
Pela primeira vez pluri, poli, multi, deu um passo atrás e virou mono.
Hora de retornar com os tentáculos.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Barbara

Sem saber o motivo, começou a pensar no próprio nome. Barbara. Repetiu-o algumas vezes, estranhando a sonoridade. Barbara. Barbara. “Nome bruto”, pensou. Olhou-se no espelho e encarou a imagem. “Então essa sou eu”. Não se reconheceu. Reparou em cada detalhe do rosto refletido: olhos, nariz, boca. O buraquinho no lado esquerdo da bochecha. Esta pessoa era ela, assim como era ela o nome estranho repetido diversas vezes. Mas nada lhe era familiar, nem o nome, nem a imagem. Em seu mundo interior, Barbara era uma figura sem forma, uma sensação, um buraco negro que ora se esticava, ora se encolhia. Não tinha rosto, muito menos uma palavra que a designasse. Ela era seus sentidos, era o que enxergava, ouvia, pegava, comia e cheirava. O espelho lhe mostrou um ser desconhecido. Um ser chamado Barbara, que, por acaso, ela era mesma. Muito prazer.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Pode ser a gota d'água

Quando o ar lhe pesava, mergulhava a cabeça n’água e via tudo com uma clareza estarrecedora. De repente, tudo fazia sentido, compreendia os pormenores secretos que a atormentavam, olhava de cima para sua própria vida. Como se ela não fosse ela, fosse outra a olhar a vida alheia. Enxergava cada pedaço com frieza médica, juntava os fios soltos, identificava traumas, apontava soluções, percebia os inimigos. Pesava o necessário e o desnecessário, mesmo sabendo que os conceitos de necessidade mudam sempre. Cristalino, cristalino, como nunca pensara nisso antes? O sentido é que não há sentido, somente o objetivo. Viver seguindo o um, sem buscar o outro.

Percebendo-se afogada, chorou. Cada lágrima pode ser a gota d’água. Um dia vai transbordar tudo de uma vez, ela pensa, submergindo a cabeça.

"Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta..."

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Bolhas

Quando ela chegou à beira do lago, ele estava se afogando.
Não conseguiu salvá-lo.

Chorou somente uma lágrima.
E depois o esqueceu para sempre.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Vazio

1: Dá pra encher o vazio com música?
2: Nem sempre, algumas ajudam a esvaziar ainda mais.

1: E com filme, dá?
2: Durante duas horas, até dá. Mas e depois?

1: Hum. De repente um telefonema faz melhorar.
2: Depende da voz da pessoa do outro lado da linha.

1: Um e-mail, talvez?
2: De tantos que se recebe por dia, poucos se salvam.

1: Mas umas cervejas conseguem encher o vazio.
2: Conseguem. Mas se você exagerar, faz besteira. E o vazio só piora.

1: O vazio dói.
2: Eu sei, choro todo dia por ele.

1: Até há pouco tempo eu não o sentia.
2: É claro, estava preenchido de ilusão.

1: Não tenho mais idade pra ilusões.
2: Por isso estamos vazios.

1: E o que fazemos, então?
2: Vamos fingir que o vazio não existe.

1: Agora?
2: Sim. Um, dois, três e... Já!

sábado, setembro 01, 2007

Vampira

Eu avisei, rapaz.
Você sabia que os olhos iriam arder.
As horas de satisfação não compensariam o final solitário.
Seu pensamento está longe daqui. E de que adiantou?
Sua premissa de aproveitar o presente transforma seu futuro num breu.
Até então você controlava tudo, agora está a mercê.
Não posso fazer nada, ao menos agora, estou de mãos atadas.
Mas acredito piamente que você vai passar por isso sem arranhões.
No máximo, terá um machucado cuja casca eu vou tirar, e com intimidade, chuparei o sangue.

sábado, março 10, 2007

Mimada

Quero um pouco de vazio, sem ser solidão
Quero espaço e não ter que dar respostas
Quero não ter culpa do silêncio
Quero não ter culpa da verdade, do que é e ponto
Quero fluir, sem depois me arrepender
Quero dar a cara à tapa, mas sem apanhar
Quero eles longe, mas não tão longe assim

terça-feira, dezembro 26, 2006

Amanhã eu vou...

Escrever um verso sobre os poetas e homens livres
Falar sobre a luz mágica do sertão
E o calor humano dos sertanejos

Amanhã eu vou
Cantar a música que vem do fundo
Da terra seca, do vento quente e da voz estridente

Vou fechar os olhos e ouvir
As crianças gritando "Galeguinha", "Minha mãezinha"
Mãezinha? Lá fui mãe, sim
E amiga
Amante
Parceira
Respirei poeira
Comi macaxeira

Amanhã eu vou
Tentar colocar tudo em ordem
(de novo, mais uma vez, quem sabe, fazer uma lista?)
A fonte secou
Amanhã eu vou. Ou não vou?
Ou já fui?
Acabou.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Vapor barato

Pensamentos evaporam como poça d'água em dia quente. Aparecem nas piores horas - no ônibus, na hora de dormir. Aí você pensa, pensa que é uma beleza. Coisas lindas, poéticas, profundíssimas. Se acha gênio e o cacete. Mas como aparecem nos momentos impróprios, você sempre deixa pra escrever depois. "Amanhã, quando eu acordar". Porra nenhuma. Você pode até tentar, no dia seguinte, colocar no papel todas as maravilhas que fluíram do seu cérebro horas antes. Mas é tarde demais, elas já evaporaram. Contente-se com as frivolidades.