segunda-feira, novembro 26, 2007
Zefa
“Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar... Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar...”. Dona Zefa canta, é sua música preferida. Toca todo sábado na quadra da Portela. Os braços para cima, os olhos fechados. “É ele quem me carrega como nem fosse levar”. Tum. Tum. O bumbo arrepiando a pele negra e enrugada. Dona Zefa nem pode, mas já tomou algumas várias latas de cerveja. A feijoada também lhe pesa no estômago. “E quanto mais remo mais rezo, pra nunca mais se acabar...”. Ela olha para o palco, a Velha Guarda desliza no mar calmo de Paulinho da Viola. Tum. Tum. O bumbo a faz remar para o passado, ali mesmo naquele chão, tantas vezes ela sambou. Desde que era Zefinha e ninguém a chamava de “dona”. Tum. Tum. Josefa mexe os pés cansados, de samba ela nunca se cansa. “A rede do meu destino parece a de um pescador. Quando retorna vazia, vem carregada de dor”. Quantas dores Dona Zefa já carregou, “vivo num redemoinho”, ela canta. Um rodamoinho. Ela gira, sambando seus pés cansados, a quadra gira, gira também a Velha Guarda. Tum. Tum. Dona Zefa perde as forças e vai desabando. Só não chega ao chão porque a multidão não deixa. Pescadores como ela tomam-na nos braços. Tum. Tum. Carregada para longe dali, ela ainda ouve os últimos versos, antes de o mar levá-la de vez. “Deus bem sabe o que ele faz. A onda que me carrega, ela mesma é quem me traz...”.
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