segunda-feira, abril 27, 2009

E pobre tem depressão?

Adilson chegou irritado no trabalho. Passou de cabeça baixa por todos e foi até a mesa do chefe pegar as funções do dia. Ao ver a folha com os endereços, o motoboy deu um suspiro profundo. Iria rodar meia cidade entregando papeladas a executivos que nem levantavam os olhos quando ele chegava. Adilson estava com um nó preso na garganta, mas se conteve para não chorar na frente do chefe. Odiava sua vida, seu trabalho, sua falta de dinheiro. Foi até a copa, despejou café no copo e bebeu tudo de uma vez. Queimou a garganta, mas não se importou. Virou-se bruscamente e esbarrou em Liliana, a loirinha azeda do escritório. O café que ela segurava caiu todo em cima de seu tailleur cinza. “Meu, presta atenção no que você faz! Imbecil...”, rosnou em voz anasalada e estridente. Adilson teve vontade de esganá-la, ele nunca foi com a cara daquela mocinha metida à besta. “Só porque fez faculdade você se acha, hein, dona”. Adilson não teve coragem de colocar para fora o pensamento. Desculpou-se, de cabeça baixa, e saiu da copa direto para a recepção. Com o malote na mão, esperou o elevador chegar. A porta se abriu e de dentro saíram três engravatados. “Bom dia, Adilson. Coringão tá bem, hein, véio”, disse um deles. Completamente aéreo, Adilson passou pelos homens sem cumprimentá-los. Eles estranharam o comportamento do motoboy, mas a porta do elevador fechou tão rápido que resolveram deixar pra lá. Adilson foi para a garagem, pegou sua moto e saiu voando como flecha. Fez uma, três, cinco entregas. Todas erradas.Trocou o malote da Paulista pelo da Faria Lima. O da Praça da Sé pelo da marginal. O celular de Adilson começou a tocar sem parar. Era o chefe, irritadíssimo, que tentava entender por que os executivos estavam todos reclamando do “motoboy maluco”. “Adilson, seu idiota, volta em cada escritório e destroca tudo, desgraçado”, disse o chefe para a caixa postal de Adilson, que não estava atendendo o telefone. O motoboy foi direto para casa. Ele não estava se sentindo bem. Abriu a porta e se surpreendeu com gemidos vindos do quarto. Acabou encontrando Cirlene na cama com seu próprio irmão. “Edmilson, eu vou te matar!”. Mas não conseguiu fazer nada. “Eu amo o seu irmão. É dele que eu gosto”, disse Cirlene. Adilson chorou. “Você é motoboy. Edmilson é gerente! Que futuro você vai me dar, Adilson?”, continuou a mulher. Adilson saiu do quarto. “Gerente de lanchonete fuleira da Freguesia do Ó, isso lá é emprego?”, pensou, enquanto pegava a moto novamente. Voltou para o serviço. O chefe veio direto na sua garganta. “Você volta agora em cada escritório e desfaz a confusão que você fez, seu motoboyzinho de merda”. A loirinha azeda apareceu com o tailleur manchado. “Olha o que esse ignorante aprontou. Quero ver ele pagar pra tirar a mancha dessa roupa”. O escritório inteiro começou a olhar. Adilson, com a roupa amassada pelas mãos do chefe, humilhado pela arrogância da loirinha azeda, sentiu a cólera subir-lhe a cabeça. Empurrou com força o chefe e a loirinha azeda, olhou para a plateia assustada e gritou: “Vão todos se foder, seus engomadinhos de merda!”. Foi embora. Os engravatados que eram parceiros do motoboy comentaram: “O cara é legal. Deve estar deprimido”. A loirinha azeda não teve dó: “E lá pobre tem depressão? A gente tenta ajudar essa gente... Mas só leva patada”. O chefe completou: “Relaxa, Li. Esse aí tá no olho da rua”.

quarta-feira, abril 22, 2009

Novidade

Amigos,
Todo dia 22 vou publicar um textinho meu na revista literária virtual Samizdat.
Pretendo publicar textos do "Não Clique" e também coisas novas.
O tema da edição deste mês é realismo fantástico. Coloquei um textinho antigo que gosto muito, e que inclusive faz parte da contracapa do meu livro.
Eis:
http://www.revistasamizdat.com/

quinta-feira, abril 16, 2009

Vivian Vazz é uma geminiana confusa


Ela tem cerca de 25 anos. Mora em um convento, mas ainda está pensando se vai transformar-se em freira ou não. Faz dele um refúgio. Sua origem é uma incógnita, mas suas dores ela conta através das palavras no blog Trigêmeas, ao lado de duas amigas. Pelo que já foi escrito, seu melhor amigo do mundo lá fora se chama Horácio. A companheira no convento é Irmã Rosário. E Fred é um carma que ela carrega desde adolescente.

Assim ela se autodefine:

"Preciso dos opostos, do 8 e do 80, do frio e do calor para me transformar em minha principal antagonista. Freira de corpo, louca da alma."

Quem quiser uma pitada desta alma, clique aqui

sexta-feira, abril 10, 2009

O vestido de Engraçadinha

Feito de cetim, justo na cintura, comprido até os joelhos e com um decote descomunal, o vestido de Engraçadinha era seu preferido. Colocá-lo garantia-lhe uma noite rodrigueana, pecaminosa e proibida como a personagem que levava seu nome. Por muitas noites usou o vestido deliberadamente. Sentia-se mulher desejada, plena e poderosa. A rainha das festas, o centro das atenções. Tão imbatível que o olhar invejoso das outras só lhe causava cócegas. 

O vestido de Engraçadinha foi sua capa protetora por longos anos. Mas – sempre há um ‘mas’ -, ao mesmo tempo em que a protegia, deixava um rastro de mágoas por onde passava. Corações partidos, casais desfeitos, amizades abaladas. Vesti-lo era mergulhar em mentiras que, por mais que não lhe atingissem, feriam quem ela gostava. E isso não era bom.

Como pimenta nos olhos dos outros é refresco, ela só decidiu parar de usar o vestido quando se sentiu perdida. Foi numa noite em que beijou sete pessoas, deitou-se com três e acordou sem amar nenhuma delas. Como um foguete, voou para casa, pegou a tesoura e picotou o vestido em pequenos pedacinhos. Os retalhos, tão macios, viraram enchimento de travesseiro. Nele deitou a cabeça à noite e teve os sonhos mais emocionantes de sua vida. Mas a vantagem era que, ao acordar, nada estava fora do lugar. Ninguém estava triste com ela.