Feito de cetim, justo na cintura, comprido até os joelhos e com um decote descomunal, o vestido de Engraçadinha era seu preferido. Colocá-lo garantia-lhe uma noite rodrigueana, pecaminosa e proibida como a personagem que levava seu nome. Por muitas noites usou o vestido deliberadamente. Sentia-se mulher desejada, plena e poderosa. A rainha das festas, o centro das atenções. Tão imbatível que o olhar invejoso das outras só lhe causava cócegas.
O vestido de Engraçadinha foi sua capa protetora por longos anos. Mas – sempre há um ‘mas’ -, ao mesmo tempo em que a protegia, deixava um rastro de mágoas por onde passava. Corações partidos, casais desfeitos, amizades abaladas. Vesti-lo era mergulhar em mentiras que, por mais que não lhe atingissem, feriam quem ela gostava. E isso não era bom.
Como pimenta nos olhos dos outros é refresco, ela só decidiu parar de usar o vestido quando se sentiu perdida. Foi numa noite em que beijou sete pessoas, deitou-se com três e acordou sem amar nenhuma delas. Como um foguete, voou para casa, pegou a tesoura e picotou o vestido em pequenos pedacinhos. Os retalhos, tão macios, viraram enchimento de travesseiro. Nele deitou a cabeça à noite e teve os sonhos mais emocionantes de sua vida. Mas a vantagem era que, ao acordar, nada estava fora do lugar. Ninguém estava triste com ela.
2 comentários:
o vestido de engraçadinha ou como engraçadinha aprendeu que ressaca moral acaba com o prazer de enfiar o pé na jaca...
adorei esse texto.
Ai, ai, nada como um bom vestido... :)
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