Já tinha topado com loucos a dar com o pau, loucos de pedra e de bebida, gente que falava sozinha na rua. Na terra estrangeira onde morava havia pouco, os olhos alheios a assombravam. Sabia que se cruzasse olhares com os errantes perdidos nos quarteirões e terminais rodoviários seria perigoso, quase fatal: “olhe e enlouqueça!” Mas mesmo com todo cuidado para não tocar a vil realidade, ela sofreu com xingamentos esdrúxulos no metrô, levou um soco no braço ao passar rapidamente entre um sujeito e o muro. Era constantemente interrompida em suas viagens abstratas por pessoas ainda mais abstratas que ela, a ponto de achar que ela própria havia enlouquecido.
Mas nada foi tão tenebroso quanto ser perseguida pelo japonês do terno puído. Não era noite, não estava escuro nem deserto. Talvez fizesse sol, o que, para ela, funcionava como blindagem contra sentimentos tristes. Ao caminhar na rua, sentiu passos próximos, até que a pessoa colocou-se a seu lado, a um metro de distância. Os passos dele casaram-se aos dela, pareciam fazer parte de um número de passos sincronizados. Ela se adiantou, aumentou a velocidade, odiava caminhar com desconhecidos. Mas o homem acelerou, até estar alinhado com ela novamente. Ela decidiu retardar o passo, e viu o estranho passar à frente: era um japonês alto, de cabelo cortado como nos anos 80, vestindo um terno puído que talvez fosse da mesma época. Tinha apenas um guarda-chuva na mão, e olhou discretamente para trás quando se viu sozinho. Reduziu suas passadas. Nervosa, ela parou em frente a uma banca de jornais, fingindo ler manchetes. Poucos metros adiante, o homem também parou.
Estava confirmado: aquilo era perseguição, e das brabas. Tentou tranquilizar-se pensando que o japonês só tinha um guarda-chuva na mão, e que isso ela também tinha na bolsa, caso ele decidisse atacá-la. Mas sabe-se lá que tecnologia japonesa o guarda-chuva oriental escondia. Podia ser uma arma letal. Uma bomba, ou um spray de pimenta disfarçado. Desesperou-se. Começou a caminhar rapidamente na direção contrária. Se ele a imitasse, gritaria “socorro”. Lembrou que sua mãe sempre a ensinou a gritar “Fogo!”, pois chamava mais atenção. Mas quem acreditaria num incêndio em plena calçada às 4 da tarde? De rabo de olho, percebeu o terno puído indo atrás dela, implacável. Aproveitou o sinal aberto e atravessou a rua, como louca, correndo sem olhar para trás.
Entrou no shopping ofegante, escondeu-se na pilastra de espelhos, onde ficou por alguns minutos. De repente encarou uns olhos assustados, que logo percebeu serem dela. Estava descabelada, pálida como um fantasma, os botões da camisa abertos, como se os seios quisessem fugir também. Não viu mais o japonês, mas nunca mais deixou de olhar em volta quando sai de casa. Assim como os mendigos loucos que vivem nas ruas, talvez ele ainda a observe, tramando enlouquecê-la junto com todo o resto.