Chegou-me às mãos um bilhete desaforado de dona Zefa da Portela. Reclamou que o post sobre ela neste blog estava poético demais, sonhador demais, e ela não gosta destas frescuras. Pediu que eu relatasse a história de seu desmaio na quadra, tal e qual se deu. Nada de frufrus nem floreios. A pedidos, então, dona Zefa em final cut.
“Assim, no mapa, parece que é perto. Mas Rio das Pedras é bem longe de Madureira. Dona Zefa que o diga. Passa uma calorenta e apertada hora no famigerado 748, até chegar, com as netas Deusilene e Sandra Sílvia, à quadra da Portela. O samba já começou, e a espevitada senhorinha empurra as netas pra dentro. “Vambora, minhas filhas, que hoje eu sambo até me acabar”. Com uma cerveja na mão, ela cumprimenta as colegas, senhorinhas espevitadas como ela, que freqüentam aquela quadra desde novinhas. “Ô, Deusilene, vem aqui falar com a tia Creide!”. A jovem beija dona Cleide e depois trata de sair dali, prefere ficar com a rapaziada. No meio das amigas, Zefa canta, dança, tem quase tanta agilidade quanto as netas. A cerveja - de garrafa, é claro – roda de mão em mão. Mãos enrugadas que levam o líquido amarelo às bocas também enrugadas, sorridentes.
Na hora da feijoada, dona Zefa come seu pratinho de graça, como sempre. Conhece as cozinheiras, cresceu brincando com elas nas ruas de Madureira. Isso bem antes de casar e se despencar para o Rio das Pedras. Feijoada sempre dá sede. “Creide, pega mais uma garrafa pra gente?”. As senhorinhas bebem. E dançam. Sambam. Sapateiam as sandálias e sapatilhas sujas de lama.
Em cima do palco, dona Zefa vê o neto brilhando. Entre os músicos, Joilson dedilha seu cavaquinho e sorri para a avó. Já sabe o que ela quer: Zeca Pagodinho. O grupo manda ver um sucesso do cantor, e a quadra vem abaixo. Dona Zefa sente o calor da multidão, tão forte que a faz perder o ar. Meio tonta, se esforça para respirar, mas tudo fica preto de repente.
Chamadas às pressas por Cleide, Deusilene e Sandra Sílvia levam a avó para o banheiro. Semidesmaiada, Zefa tem as pernas moles. Seu rosto negro está pálido. “Meu Deus, ela vai morrer!”, chora uma, enquanto a outra abana a avó, já sentada numa cadeira. Pequeno e lotado de mulheres, o banheiro enlameado vira um verdadeiro caos. “Bota ela no chuveiro!”, alguém diz. Deusilene e Sandra Sílvia tiram a roupa da pobre velhinha e a colocam sob a água fria.
Chega um médico. “Quem está passando mal aqui?”. As mulheres – muitas estavam ali por pura curiosidade – apontam o box do chuveiro. Mas as netas escandalosas o impedem de ver dona Zefa. “Ela tá pelada, sai daqui!”, diz Sandra Sílvia, batendo a porta na cara do doutor. “Minha senhora, eu preciso examinar sua avó, abre essa porta”. “Pelada, não!”. “Então botem a roupa nela!”.
Alguém tem a feliz idéia de jogar a roupa de dona Zefa por cima da porta. As netas vestem a avó, que já está recobrando os sentidos. O médico finalmente a examina. Recomenda menos agitação, menos cerveja e menos comida gordurosa. Assustada, Zefa faz que sim com a cabeça.
Um mês depois, porém, lá está dona Zefa de novo. Afinal, ela não é mulher de frufrus e floreios. “Desce mais uma pra gente, Creide!”.
terça-feira, março 25, 2008
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2 comentários:
Hahahahaha! Adorei!
Hilário, o lance do "Pelada, não!"
E vc, hein? Só no SEO... rs
Sandra Sílvia sai de mim!
Sandra Sílvia sai de mim!
Makes me wanna feel like a teeneager...
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