quarta-feira, outubro 08, 2008

Sobre jabuticabas

Quando o estrondo no céu cinza caiu em forma de chuva, refugiou-se na imensa tenda de um jornaleiro. A água inundou a Paulista, obrigando-a a se distrair com revistas de mulherzinha na prateleira. Só bobagens. E ela não estava para frugalidades nesse dia. Parou no estande de pocket books – sempre teve mania de comprá-los e nem sempre os leu – e se deparou com um Schopenhauer: “Como escrever bem”. Lembrou-se da paixão de um amigo pelo filósofo e resolveu comprar o livro. Só não começou a deleitar-se ali mesmo pois um homem vendendo jabuticabas parou em sua frente. Pretas e redondas como seus olhos nunca serão, as frutas estavam salpicadas de chuva, frescas e convidativas. Comprou meio copo, engoliu três bolinhas e ganhou coragem para enfrentar o aguaceiro. Comendo jabuticabas na Paulista, nunca pensou que faria isso um dia. Caminhou da Brigadeiro à Consolação, reparando nos estranhos, nas hordas de engravatados e mulheres de terninho. Ficou feliz de não estar vestindo um. Resolveu descansar num café. Pediu um frapuccino e sentou-se para ler seu Schopenhauer. À sua frente, um homem de aparência humilde lia o jornal Agora. Ele não tinha dentes. Ficou com pena, a princípio. Depois, achou-se ridícula por ter pena de um homem só porque ele não tinha dentes e lia um jornal popular. Ela não era melhor que ele. Era apenas uma metida que lia Schopenhauer. Convenceu-se mais ainda de sua arrogância ao chegar na página 20 do livro. “Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto!”. Era um recado do filósofo, que ficou dançando zombeteiro em sua mente. Isso lhe gerou uma série de pensamentos desconexos, tão côncavos e convexos que nem Roberto Carlos poderia explicar. Pensou que durante sua vida não teve muitos pensamentos válidos. Pensou que perdeu tempo com besteiras. Pensamentos imperfeitos e vastas emoções. Pensou que ainda não leu este livro. Pensou que estava ficando louca e disse a Schopenhauer – em pensamento, claro – que pensar muito pode ser bom, mas às vezes é melhor ocupar a cabeça com livros do que com idéias esdrúxulas. Olhou para frente e viu o homem sem dentes sorrindo com as páginas do Agora. Por um momento, teve ímpetos de trocar seu livro pelo jornal. Queria rir também. “Quebre-me os dentes”, ela quase disse. Lembrou-se das jabuticabas. Sem a menor classe, sacou o plástico da bolsa. Decidiu saborear as frutinhas. Até que sentou um engravatado no sofá ao lado. Ele lia o Código Civil. Não! Melhor Schopenhauer, melhor o Agora, melhor as jabuticabas na chuva. Melhor o pensamento livre, seja por excesso ou ausência. Melhor parar de escrever.

14 comentários:

Anônimo disse...

hahahahahahaha Sensacional! =D


Não se precisa de dentes para chupar as jaboticabas

Mariana Valle disse...

Genial! Estou sentindo que muitas croniquetas sobre os engravatados paulistas virão por aí... Mas fique tranquila. Quando se tem alma de artista, sempre há de se achar uma jabuticaba, um Shopenhauer, ou um Agora para se deleitar no meio do caminho, baby!

Hoje andei de van e não parava de lembrar das suas histórias de vans!

bjs,
Poppins

Elaine disse...

Adoro Schopenhauer... Como sempre, ele diz o óbvio, que ninguém teria a ousadia de pensar. Agora me sinto menos culpada por ainda não ter lido tantos livros quanto gostaria, hehehe...
Beijos e saudades de vc, loura!

Anônimo disse...

melhor mesmo só um outro texto seu (rs)!

maravilha, babi! achei-o lindo!

beijo grande!

ps: adoro jabuticaba (rs)!

contonocanto disse...

Gostei do estilo enevoado.

Anônimo disse...

Babi, muito bom, só não foi totalmente excelente pela névoa que o Ronaldo gosta :)

Anônimo disse...

Excelente. Acho que São Paulo está fazendo muito bem aos seus textos.

Naila Oliveira disse...

Quem diria que iria gostar de algo que vem de São Paulo!

Elaine disse...

Oi, amiga. Saudades tb! Não sei qd vou pra Sampa, talvez em dezembro. Mas pode deixar que te aviso.
Que bom que gostou dos meus textinhos... :)
Beijos

Bruno Black disse...

Meu nome é bruno black,tb sou escritor e gostaria que vc entrasse no meu blog e desse sua avaliaçao sobre ele,meus livros são produçao independente...eu gostaria mto de manter contato...

bruno black

Anônimo disse...

Babe, que beleza! Quanta beleza! Continua, não pára!

Só uma coisa: muito medo de ingerir gotas de chuva de São Paulo. Já deu uma olhada naquele céu? rs

Ju Peres disse...

wow! vc é d+!
^^
um dia quero conseguir escrever tão bem!
parabéns!!!

Francisco disse...

eu tô lendo esse livro. ^^

"Mas é este o caso de muitos eruditos: leram até ficarem burros. p.128

Tamba disse...

Muito boa essa carga mal-humorada via SP. Hahaha! Quebre-me os dentes! foi muito bom.