quinta-feira, maio 15, 2008

Pequenezas

Dentro da bolsa, o caos. A chave de casa que enrosca no crachá, que prende na pinça, que agarra o elástico de cabelo, que se embola no porta-moedas. É sempre assim: toda vez que vai abrir a porta, ela pega a chave e vem tudo junto. Xinga deus e o mundo, jura que vai separar cada coisa em bolsinhos. Mas, no dia seguinte, é a mesma coisa.

Pior é quando está entrando no ônibus. Seu celular cisma em tocar, e ela, afobada, não sabe se atende o aparelho, se paga a passagem, se segura as várias bolsas que sempre carrega ou se segura a si mesma para não cair, já que os motoristas cariocas estão sempre prontos para tirar o pai da forca.

Sua vida é assim mesmo. Enrolada, complicada, um prato cheio para a hiena Hardy entoar seu famoso bordão. Oh, vida, oh, azar, ela mesma repete, às vezes, ao tropeçar nos buracos das calçadas. Suas pernas são pintadas de manchas roxas, resultado de pancadas dentro do ônibus – os motoristas, sempre eles – ou de manobras radicais que faz para entrar nas kombis. Sempre jura que nunca mais vai entrar nestas latas velhas de sardinha humana. Mas, no dia seguinte, é a mesma coisa. Acaba enrolando-se também com outros passageiros, naquele espreme-espreme dos infernos.

Certo dia, sentada na janela, foi obrigada a dar lugar para uma senhorinha, que tentava subir na kombi com um tabuleiro. “Segura aqui, minha filha. É lasanha. Eu que fiz”. Segurou o tabuleiro quente enquanto a velhinha se sentava no melhor lugar, fazendo-a colar coxas com o motorista (ela odeia colar coxas com desconhecidos). E seguiram assim até ela devolver a lasanha, já que a velhinha folgada queria mesmo é ficar de mãos livres vendo a vista lá fora. Outro dia, teve que ouvir uma ladainha bizarra de mais uma senhora, que contava as aventuras amargas que teve com a patroa. “Falei pra ela: só de raiva vou botar seu nome na minha filha, pra eu nunca mais esquecer da senhora”. E assim a pobre criança foi batizada de Elza, o nome da maior inimiga da mãe.

Enrolada dentro da bolsa, achincalhada nos ônibus e espremida em kombis, ela quer se libertar. As pequenezas da vida a afrontam, atrapalhando o que chama de suas “causas nobres”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito, Babi! Só faltou você contar daquela vez que o menino saiu da kombi e falou pro cobrador que você que ia pagar a dele! :D

Anônimo disse...

Engraçado, agoniante e excelente!