Adorável é palavra antiga, pouco utilizada hoje em dia, mas que, no passado, foi o adjetivo mais empregado para as mulheres bonitas e surpreendentes. Aquelas que possuíam uma graça especial, um quê de brilhante que fazia os homens se sentirem tolos. As adoráveis de ontem podem ser as “fofas” de hoje. E no hall de fofas do cinema certamente estão Grace Kelly e Audrey Hepburn. Assistindo a “Janela Indiscreta” (Alfred Hitchcock) e “Bonequinha de Luxo” (Blake Edwards), é impossível não querer ser Lisa Fremont e Holly Golightly. No caso de Grace, é quase inacreditável a indecisão do personagem de James Stewart quando aquela mulher praticamente o pede em casamento. Jeff prefere sair pelo mundo a fotografar quando a obra de arte mais perfeita está bem na sua frente! Além de linda de morrer, Lisa se dá ao luxo de ser espirituosa, sagaz, dona de um inglês irrepreensível e rica! Quando o amado está temporariamente inválido numa cadeira de rodas, ela leva o restaurante mais chique da cidade até o minguado apartamento de Jeff. E mergulha de cabeça na obsessão do fotógrafo, que por conta de sua imobilidade, passa noite e dia observando os vizinhos, captando então alguns indícios de assassinato. Lisa não só deixa um bilhete anônimo na casa do suposto assassino, como invade seu apartamento altas horas da noite para conseguir pistas! Acaba na cadeia, a pobre, mas mesmo liberta, volta cheia de sorrisos para seu amor. Surpreendente, não? Peraí, meus queridos! Eu quero uma versão masculina de Miss Fremont!
Audrey Hepburn é um pouco mais mundana como Miss Golightly. Sente-se plena somente quando perambula pela loja de jóias Tiffany’s, um lugar, onde, segundo ela, nada de mau pode lhe acontecer. Algo como "Não há lugar como o nosso lar" da Dorothy de “O Mágico de Oz”. Mas mesmo um poço de futilidade, mesmo sendo o retrato da patricinha golpista dos anos 60, Audrey encanta. É faceira, natural, tem neologismos deliciosos e bebe leite como ninguém numa taça de champanhe. Adora um drink, aliás (mulher que bebe é sempre mais interessante, com algumas exceções, óbvio), e toma porres que não condizem com sua aparência frágil e esquálida. Resumindo: surpreendente. O problema é que Golightly foge do mundo para fugir de si mesma, até quando encontra o amor de sua vida, Paul Varjak (o lindo George Peppard), que cisma em chamar de Fred, pois ele lembra seu irmão militar. Nesse ponto a Grace Kelly do mestre do suspense é mais bem-resolvida: sabe o que quer, é decidida. Sabe que tem o mundo aos seus pés e o que vai escolher da prateleira da vida.
Diferenças à parte, o que importa é que, para o deleite do público, ambas as heroínas tiveram finais felizes e de acordo com a persona de cada uma: para a doce e tempestuosa Hepburn, a chuva banhada pela belíssima e romântica “Moon River”, de Henry Mancini; para a moderna e criativa Grace, o jazz de Franz Waxman. E ao subir dos créditos derradeiros, eu não me envergonho nem um pouco de assumir: quero ser Grace Kelly e Audrey Hepburn!
* texto de 2004, publicado no meu finado blog Movieola
**Estou de férias, de malas prontas para a Patagônia. Volto dia 30 com novidades...