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quinta-feira, dezembro 02, 2010

Blá uma ova! ou O Japonês de Terno Puído (parte 3)

Sua cabeça ainda rodava quando fechou a porta de casa com a chave e todas as travas e trincos possíveis. A conversa com o Japonês de Terno Puído, - que agora tinha nome, Ishii Kondo -, naquele restaurante oriental malcheiroso da Paulista estava mais surreal do que filme de Buñuel e David Lynch juntos. Precisava ligar para alguém e contar tudo, mas duvidava que acreditariam. “É bem-feito”, pensou. Ninguém mandou reclamar tanto da vida, dizer que tudo era chato, ouvir “Tédio” do Biquíni Cavadão vinte vezes por dia e sentir pena de si mesma por ninguém querer ir com ela à mostra do Fassbinder. Agora, sim, sua vida estava uma loucura, “Valha-me minha santa Narcisa Tamborindeguy”.

Não conseguia parar de pensar naquele japinha assustador, o cabelo Jaspion e todo aquele papo de dossiê de 503 páginas. Sim, ela passou anos de sua vida sendo avaliada por ele. Pensando bem, 503 páginas era até bem pouco pelo tanto de tempo que o Japonês, ou melhor, Ishii Kondo, havia investido. “Eu merecia mais de mil páginas, pô”. Também, seus dias eram tão repetitivos que provavelmente o pesquisador deu “control V” e “control C” em várias partes. “Hoje ela acordou, comeu um queijo-quente de queijo minas, tomou um banho de 8 minutos, penteou a sobrancelha com o dedo molhado de saliva e foi trabalhar.” Não, o dossiê não poderia ter tais detalhes íntimos sobre sua vida dentro de casa. Ou poderia?

Não importa, o que importa mesmo é que resolveu não denunciar o japa à polícia e aceitou o convite para um encontro seguinte, agora com o mestre, onde mais detalhes da pesquisa seriam revelados. Putz, ela precisava ligar para alguém, defintivamente. Queria contar tudo, até mesmo para ter quem a salvasse caso sumisse no mundo. Na verdade queria contar mesmo pelo puro prazer de contar. Sim, finalmente sua vida era animada, ha ha. Uma lição para quem a chamou de sonsa, chatinha, desanimada, blá. Odiava quando era chamada de blá. “Quem é blá agora? Eu tenho um dossiê de 503 páginas e você? Nada!”.

Pegou-se rindo sozinha no apartamento trancado à chave, travas e trincos. Resolveu fuxicar cada canto à procura de câmeras, microfones, buracos suspeitos. Se o dossiê do Japonês de Terno Puído incluía suas intimidades indoor, ela tinha que saber como era vista. Até para passar um batonzinho e não soltar aqueles gases inocentes que não faziam mal a ninguém. Riu de novo. Enquanto revirava o apartamento, pensou no encontro com o mestre de Ishii Kondo. Era dali a dois dias. “Vou ligar pra alguém. Agora”.

quinta-feira, junho 12, 2008

Quero ser Grace Kelly e Audrey Hepburn!

Adorável é palavra antiga, pouco utilizada hoje em dia, mas que, no passado, foi o adjetivo mais empregado para as mulheres bonitas e surpreendentes. Aquelas que possuíam uma graça especial, um quê de brilhante que fazia os homens se sentirem tolos. As adoráveis de ontem podem ser as “fofas” de hoje. E no hall de fofas do cinema certamente estão Grace Kelly e Audrey Hepburn. Assistindo a “Janela Indiscreta” (Alfred Hitchcock) e “Bonequinha de Luxo” (Blake Edwards), é impossível não querer ser Lisa Fremont e Holly Golightly. No caso de Grace, é quase inacreditável a indecisão do personagem de James Stewart quando aquela mulher praticamente o pede em casamento. Jeff prefere sair pelo mundo a fotografar quando a obra de arte mais perfeita está bem na sua frente! Além de linda de morrer, Lisa se dá ao luxo de ser espirituosa, sagaz, dona de um inglês irrepreensível e rica! Quando o amado está temporariamente inválido numa cadeira de rodas, ela leva o restaurante mais chique da cidade até o minguado apartamento de Jeff. E mergulha de cabeça na obsessão do fotógrafo, que por conta de sua imobilidade, passa noite e dia observando os vizinhos, captando então alguns indícios de assassinato. Lisa não deixa um bilhete anônimo na casa do suposto assassino, como invade seu apartamento altas horas da noite para conseguir pistas! Acaba na cadeia, a pobre, mas mesmo liberta, volta cheia de sorrisos para seu amor. Surpreendente, não? Peraí, meus queridos! Eu quero uma versão masculina de Miss Fremont!

Audrey Hepburn é um pouco mais mundana como Miss Golightly. Sente-se plena somente quando perambula pela loja de jóias Tiffany’s, um lugar, onde, segundo ela, nada de mau pode lhe acontecer. Algo como "Nãolugar como o nosso lar" da Dorothy de “O Mágico de Oz”. Mas mesmo um poço de futilidade, mesmo sendo o retrato da patricinha golpista dos anos 60, Audrey encanta. É faceira, natural, tem neologismos deliciosos e bebe leite como ninguém numa taça de champanhe. Adora um drink, aliás (mulher que bebe é sempre mais interessante, com algumas exceções, óbvio), e toma porres que não condizem com sua aparência frágil e esquálida. Resumindo: surpreendente. O problema é que Golightly foge do mundo para fugir de si mesma, até quando encontra o amor de sua vida, Paul Varjak (o lindo George Peppard), que cisma em chamar de Fred, pois ele lembra seu irmão militar. Nesse ponto a Grace Kelly do mestre do suspense é mais bem-resolvida: sabe o que quer, é decidida. Sabe que tem o mundo aos seus pés e o que vai escolher da prateleira da vida.

Diferenças à parte, o que importa é que, para o deleite do público, ambas as heroínas tiveram finais felizes e de acordo com a persona de cada uma: para a doce e tempestuosa Hepburn, a chuva banhada pela belíssima e romântica “Moon River”, de Henry Mancini; para a moderna e criativa Grace, o jazz de Franz Waxman. E ao subir dos créditos derradeiros, eu não me envergonho nem um pouco de assumir: quero ser Grace Kelly e Audrey Hepburn!

* texto de 2004, publicado no meu finado blog Movieola

**Estou de férias, de malas prontas para a Patagônia. Volto dia 30 com novidades...