“Olhe bem pra mim, como estão meus dentes?”. Suzana abria o bocão para Carlitos. Ele olhou e fez cara de lástima. “Estão podres, Suzana”. Ela não se conformou. “Podre é você, Carlitos”.
Suzana sabia que só seria aceita no emprego de copeira se estivesse com os dentes
Pegou um espelho pequeno, enfiou-o na boca e mirou-se no espelho grande do banheiro. Sim, estavam podres os dentes, as carnes em volta dos dentes, o hálito vindo da garganta. Desesperou-se.
“Faça bochecho com água sanitária. Você vai sorrir marfim”, disse Cotinha, uma moça da qual Suzana não gostava muito, durante um bate-papo na beira do riacho. “Acha que sou doida? Você quer é me ver desdentada”. Cotinha deu de ombros.
Andando para casa, a trouxa de roupa lavada na cabeça, Suzana decidiu seguir o conselho de Cotinha. “Pior do que está não pode ficar”. Já dentro do banheiro, Suzana mirou-se no espelho. Tinha um copinho de água sanitária nas mãos. Bochechou tudo de uma vez.
Lá de fora, Carlitos ouviu o grito alucinado da mulher. Encontrou-a no banheiro, quase sufocada, com as mãos na garganta. “Á...gua”, ela esforçou-se para dizer. Segundos depois, Suzana despejava sobre a boca a garrafa d’água levada pelo marido.
Não foi preciso muito tempo para a pobre moça perder todos os dentes. Cada dia acordava com um sobre o travesseiro. “Aquela Cotinha... Aquela sem-vergonha...”, chorava Suzana. “Ninguém mandou seguir conselho do inimigo, mulher”. Carlitos não dava colher de chá. O tempo passou e ela ficou banguela, banguelinha mesmo, como um bebê recém-nascido.
Mas, como diria a bisavó, avó, a mãe e a própria Suzana, há males que vêm para bem. O ano seguinte foi de eleições e naquela época políticos gostavam muito de dentadura. A troco de um voto, Suzana ganhou dentes novos e foi exibi-los em uma fazenda que contratava copeiras. Conseguiu o trabalho, e ficou conhecida na casa por suas largas e divertidas gargalhadas.