Foi arrancada com tanta força da terra que sentiu frio nas raízes. A última coisa que se lembra é de seu desejo de cravar-se no solo, mas não de maneira definitiva. Queria ser um animal que não se apega, queria conhecer os campos que iam além de sua vista turva. Nos dias mais tristes, sentia água escorrendo-lhe das folhas, o caule doía lá dentro, e as raízes... Malditas, sempre presas, fincadas à terra molhada, impedindo-a de ir longe. Quando foi arrancada, sentiu o cheiro do frio, acreditou que seria levada para outros campos, mas quando deu-se por si estava em um pequeno vaso, e suas raízes compridas tocavam o plástico, e só via água se uma senhorinha grisalha a regasse. Reclamou tanto de estar presa ao solo, sem saber que pior do que isso era depender de um ser humano para viver.
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
segunda-feira, fevereiro 16, 2009
A fobia de Quito
Quito pensou três vezes antes de entrar na livraria. Sabia que, quando ultrapassasse a porta de vidro seria tomado por sentimentos confusos e autodestrutivos. As estantes e seus livros ameaçadores jogariam na cara dele toda sua futilidade. As linhas já escritas pelo homem desde que o mundo é mundo serviriam-lhe como decreto: tudo que merecia já foi escrito. Até o que não merecia também, e Quito não queria fazer parte do grupo dos escritores banais que escrevem o que não merece ser lido. A porta de vidro abria e fechava, com leitores entrando e saindo com pacotes nas mãos. O que tanto eles compravam? Que livros são esses que os fizeram tirar dinheiro do bolso? Quito já escreveu tanto, e só para si mesmo. Nunca teve culhão de publicar seus atabalhoados pensamentos, temperados pelos anos de solidão e esquizofrenia. No entanto, os livros abarrotados na estante lhe diziam, era possível vomitar idéias e deixá-las à mostra. E daí? Quem iria querer se ocupar de suas letrinhas? Quito estava parado, a porta abrindo e fechando, o segurança olhando de cara feia. Ele não iria conseguir. Deu um passo para frente. Deu dois. E a livraria o sugou para dentro. Estava feito, Quito parou perante as estantes, sentiu-se sufocado, humilhado, diminuído. Pensou no colo de sua mãe. Era tão mais fácil na infância, quando os livros eram seus companheiros, e não objetos para uma autoanálise. Resolveu buscar forças onde não tinha, pegou uma dezenas deles e foi para a fila do caixa. “Estes livros não vão mais judiar de mim”. Lembrou-se do velho ditado, se não pode vencê-los, junte-se a eles. Saiu da livraria carregado de volumes, de mãos dadas com Virginia Woolf, Mark Twain, Caio Fernando Abreu, Saramago e outros antigos sufocadores. Eram seus amigos, mais uma vez.
quinta-feira, fevereiro 12, 2009
Primeiro a cópia
Fiz uma lista de músicas que eu primeiro conheci a cópia, depois a original. Eis:
1º lugar - a campeã é "Passenger", do Iggy Pop. Primeiro conheci a versão tosca do Capital Inicial. Eu sentia que a música tinha um quê, mas não sabia dizer. Gostava e não gostava. Até o dia em que ouvi a versão de Siouxsie and the Banshees e me apaixonei. Mas o susto ainda não tinha acabado. Caí de joelhos quando descobri a original do Iggy, de ar sombrio e envolvente.
2º lugar - "Starman", do Bowie. Mesmo caso acima. Lá nos idos anos 80, eu ouvia "Astronauta de mármore" do Nenhum de Nós e sentia um desconforto, uma dor. Quando dei de cara com a original, quase chorei. E peguei ódio da banda brasileira. Quanta audácia fazer uma versão do Bowie.
3ºlugar - Se bem que a terceira colocada é uma exceção. A versão do Nirvana para a bowieana "The Man Who Sold the World" é espetacular. Tão linda que eu prefiro o Kurt cantando, com aquela voz mole que derrete tudo.
4ºlugar - "And I love her", dos Beatles. Eu era criança quando ouvi "Eu te amo", com o Zezé di Camargo e Luciano. Ou seria Chitãozinho e Xororó? Whatever. Peguei tanto asco da música que quando ouvi a original já estava completamente envenenada. E olha que eu sou louca por Beatles.
5ºlugar - "Hey Jude" também sofreu do mesmo mal. Obrigada, Kiko Zambianchi, por estragar mais uma música dos Beatles em minha vida.
6ºlugar - "Let´s stay together", do Al Green. Lá estava eu, menininha de pé no chão, cantando "Vício fatal" da Rosana, quando algum adulto me mostrou a verdadeira. Too late, Marlene. Não adiantou. Até hoje, quando ouço "Let's stay together", me vem à cabeça os versos: "Quando a paixão é cegaaaa... A gente fica cega-a, cega-a. Seja bom ou mal, o vício é fata-al...". Rosana desgraçada.
Quem tiver exemplos, por favor, escreva aqui.
1º lugar - a campeã é "Passenger", do Iggy Pop. Primeiro conheci a versão tosca do Capital Inicial. Eu sentia que a música tinha um quê, mas não sabia dizer. Gostava e não gostava. Até o dia em que ouvi a versão de Siouxsie and the Banshees e me apaixonei. Mas o susto ainda não tinha acabado. Caí de joelhos quando descobri a original do Iggy, de ar sombrio e envolvente.
2º lugar - "Starman", do Bowie. Mesmo caso acima. Lá nos idos anos 80, eu ouvia "Astronauta de mármore" do Nenhum de Nós e sentia um desconforto, uma dor. Quando dei de cara com a original, quase chorei. E peguei ódio da banda brasileira. Quanta audácia fazer uma versão do Bowie.
3ºlugar - Se bem que a terceira colocada é uma exceção. A versão do Nirvana para a bowieana "The Man Who Sold the World" é espetacular. Tão linda que eu prefiro o Kurt cantando, com aquela voz mole que derrete tudo.
4ºlugar - "And I love her", dos Beatles. Eu era criança quando ouvi "Eu te amo", com o Zezé di Camargo e Luciano. Ou seria Chitãozinho e Xororó? Whatever. Peguei tanto asco da música que quando ouvi a original já estava completamente envenenada. E olha que eu sou louca por Beatles.
5ºlugar - "Hey Jude" também sofreu do mesmo mal. Obrigada, Kiko Zambianchi, por estragar mais uma música dos Beatles em minha vida.
6ºlugar - "Let´s stay together", do Al Green. Lá estava eu, menininha de pé no chão, cantando "Vício fatal" da Rosana, quando algum adulto me mostrou a verdadeira. Too late, Marlene. Não adiantou. Até hoje, quando ouço "Let's stay together", me vem à cabeça os versos: "Quando a paixão é cegaaaa... A gente fica cega-a, cega-a. Seja bom ou mal, o vício é fata-al...". Rosana desgraçada.
Quem tiver exemplos, por favor, escreva aqui.
quarta-feira, fevereiro 04, 2009
Mundo estranho
Já pararam pra pensar como é estranho essa coisa de ingerir alimentos? Quase tão estranho como expeli-los depois de algumas horas. Comer, assim como ir ao banheiro, é algo íntimo demais. Deveria estar restrito a cabines fechadas, isoladas do resto do mundo, como são os banheiros. Apesar de não ter problemas para comer em público, às vezes me pego pensando em como é estranho ir a restaurantes. Nele você expõe suas vergonhas levando o garfo à boca, mastigando a comida, escancarando para todos os dentes de alface, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Pior ainda quando algum desconhecido se senta à mesma mesa que você. Mastiga, mastiga, mastiga, engole. Constrangedor. E quando você cisma de reparar no prato dos outros, a coisa complica. Ainda mais se forem paulistas, que adoram colocar um salgadinho no meio da comida. Arroz, feijão, salada, bife e... risole. Ah, risole é demais. Eles gostam de coxinha também. Estranho.
Se vocês já estão me achando freak por pensar assim, tenho mais a dizer: também acho estranho dormir em público. Em quase dois anos dormindo em leitos na Dutra, percebi que dormir também é algo íntimo demais para ser feito de forma coletiva. Nos ônibus, então, é angustiante. Todos se sentam em suas poltronas, tiram os sapatos, colocam os pés pra cima - eca! - e dali a cinco minutos estão roncando. Ron-can-do! Constrangedor. No dia seguinte, ao chegar ao destino, o ônibus parece uma saleta do inferno. Gente acordando de cara amassada, com bafo de bode, baba no canto de boca e jeito lesado de quem não sabe onde está. O horror, o horror...
Se vocês já estão me achando freak por pensar assim, tenho mais a dizer: também acho estranho dormir em público. Em quase dois anos dormindo em leitos na Dutra, percebi que dormir também é algo íntimo demais para ser feito de forma coletiva. Nos ônibus, então, é angustiante. Todos se sentam em suas poltronas, tiram os sapatos, colocam os pés pra cima - eca! - e dali a cinco minutos estão roncando. Ron-can-do! Constrangedor. No dia seguinte, ao chegar ao destino, o ônibus parece uma saleta do inferno. Gente acordando de cara amassada, com bafo de bode, baba no canto de boca e jeito lesado de quem não sabe onde está. O horror, o horror...
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