domingo, abril 27, 2008

Ilusão de ótica


Tinha obsessão pelo pôr-do-sol, e seu quarto impregnado de fotografias contra-luz provavam isso. Quando estava muito angustiada, ia à praia sozinha vê-lo ir embora. Irritava-se um pouco com as palmas dos hippies e hypes de Ipanema, então ia para a Barra da Tijuca, que não tinha o Dois Irmãos para interromper.
 
Gostava de fixar o olhar no sol até chorar, enquanto sentia o vento de maresia envolvendo-lhe o corpo. Quando já estava cega pela claridade, apertava as pálpebras com força, ao mesmo tempo em que seus dedos dos pés agarravam-se aos grãos de areia, cavando buracos ondulados.
 
Era uma mania solitária e nunca contou a ninguém. Quem convivia com ela sabia que costumava ir à praia nos fins de tarde, mas não imaginavam que fosse pelo sol. Ela, por sua vez, não fazia questão de ninguém por perto. Estava tão envolvida em seu mimetismo solar que solidão era o que menos sentia naquele momento.
 
Num destes fins de tarde, os olhos já ardendo, sentiu uma vontade irresistível de voltar-se para o mar. Dentro d'água, um rapaz acenava em sua direção. Nunca o vira antes, o aceno não devia ser para ela. Mas ali por perto não tinha mais ninguém. Sim, era para ela.
 
Resolveu não dar atenção, podia ser um louco qualquer. Afogando-se, ele não estava, pois acenava com apenas uma das mãos e, mesmo à distância, ela conseguia identificar no estranho um sorriso de canto de boca. Decidiu continuar olhando o sol. Mas a imagem do rapaz, fixa na retina, parecia dançar no meio da bola de fogo. Irritou-se, ele atrapalhara tudo. Voltou-se novamente para o mar e lá estava ele, ainda acenando, ainda com o maldito sorriso no canto da boca.
 
Levantou-se, um pouco cega, e resolveu tirar satisfação. Mas ao aproximar-se da beira d'água, ele deu um mergulho e desapareceu. Ela o xingou em pensamento e voltou para a sua canga. Ficou ainda alguns minutos fitando a água, mas nada dele aparecer. Cansou e decidiu retornar ao sol, que estava sempre ali, não acenava e nem mergulhava. Estava se pondo, como em todas as tardes.
 
Quando as lágrimas já estavam rolando, os pés agarrados à areia, o vento tomando-lhe inteira, angustiou-se. Quis olhar o mar novamente. Tentou controlar-se, não queria ver o estranho, ele incomodava sua paz. Com uma certa dose de masoquismo, porém, virou a cabeça para a direção do infinito, e lá estava. O tonto acenando, incansável. Tapou os olhos com as mãos, mas a imagem dele não sumia, vagava na dimensão escura misturada a objetos geométricos. Por entre os dedos entreabertos, viu que ele estava fazendo sinais.
 
Como que hipnotizada, ela seguiu as próprias pegadas em direção ao mar. O estranho, sorrindo agora de boca inteira, continuava chamando-a. Zonza depois de uma tarde inteira vidrada no sol, deixou-se cair na água gelada. Ele esticou a mão e puxou-a para si. Abraçou-a e mergulhou.
 
Depois deste dia, nunca mais se teve notícias dela. Amigos mais saudosos eventualmente olham para o céu, nos fins de tarde. Alguns arriscam dizer que, depois de alguns minutos, conseguem vê-la acenando, flutuando no meio do sol, ao lado de um rapaz estranho. Mas logo abaixam o olhar: é só ilusão de ótica.

sexta-feira, abril 25, 2008

Refazendo tudo...

Hoje o post é uma citação. Não que os outros não fossem, mas esta é explícita: "Refazenda", de Gil. Em breve, uma historinha sobre o verso "Nós também somos do mato".

"Abacateiro acataremos teu ato
Nós também somos do mato como o pato e o leão
Aguardaremos brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração
Abacateiro teu recolhimento é justamente
O significado da palavra temporão
Enquanto o tempo não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão
Abacateiro sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem o seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro doce manga venha ser também
Abacateiro serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário da leveza pelo ar
Abacateiro saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar
Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba"

Refaçam, amigos, refaçam! A vida, os desejos, tudo.

quinta-feira, abril 10, 2008

Aura Soma


“Use sua vasta energia de forma mais positiva possível. Inclua o amor em todos os atos, palavras e pensamentos. Quanto mais energia temos, mais responsabilidade. Podemos construir ou destruir, amar ou odiar, gerar vida ou morte. Seja um amante da vida e desperte para a grande festa, que é a oportunidade de estar neste planeta.”

Cada frasco contem uma mensagem. A minha veio como sinal, sinal de Waly, mais uma vez. A vida é sonho!

Veja qual seu frasco e fique livre para comentar.

terça-feira, abril 08, 2008

Salve, Waly

Sentados numa mesa de bar, mulher e homem conversam.

H: É impressão minha ou um leve purpurinar pousa sobre seus dedos?

M: Porra nenhuma. Falta arte em minha vida. Acho que fui deixando tudo encraquelar pelo caminho. Perdi muitos pedaços.

H: Então recolhe os cacos. E lança essa tua purpurina por aí. As pessoas vão gostar. As pessoas sempre gostam de você.

M: Eu queria era estar em Paris, nos anos 20. Mergulhada na Belle Époque. Mas acho que nos anos 20, ninguém ia achar graça em mim.

H: Nos anos 20, querida, ninguém teria graça. Você iria precisar de muita purpurina. Pensa só: Picasso, Hemingway, Chanel, Beckett? Não é essa mediocridade de hoje em dia.

M: Tirando o Waly. Ele me visitou essa noite. Com seus cabelos encaracolados e sorriso largo de sempre. Ficou repetindo: “A vida é sonho! A vida é sonho! A vida é sonho!”.

H: É um sinal, querida. Preste atenção, pois é um sinal. Waly nunca falha.

M: Sim... Mas eu estou tão cansada...

H: Não importa não, minha honey baby.

terça-feira, abril 01, 2008

Gente normal

P., 35, divorciada, nunca fez loucuras na vida. Aceitou o convite de uma amiga e foi a uma despedida de solteira num clube de strip-tease masculino. Nunca viu tantos músculos em trajes mínimos se movimentando em sua frente. Um deles a puxou para o palco, jogou-a para cima como se ela fosse uma pluma. A mulherada gritava, enlouquecida. Depois do susto, P. começou a se divertir com o lugar, tão pecaminoso como seus sonhos adolescentes mais distantes. Quando acabou o show, um dos strippers chegou perto dela e puxou assunto. Papo vai, papo vem, ele a chamou para conversar no terraço. Foram. Atracaram-se atrás de uma pilastra, para ele não ser flagrado pelo gerente “voando” em serviço. Chegou a hora da conversa.
- Qual o seu nome?
- P.
- P.?!
- Sim.
- Patrícia? Priscila? Pâmela?
- Só P. e ponto.
Voltaram aos beijos. P. nunca fora abraçada por um homem tão forte. Mas, apesar do tamanho, ele era do tipo sensível. Queria conversar.
- Então, Pâmela, a gente podia sair um dia desses...
- P.! Pra você meu nome é P.! Pâmela, não, né? Nome de puta.
- ....
- Ah, desculpe, não quis ofender a classe.
- Eu não sou puto. Sou dançarino.
- Mas não faz programa?
- Não. Olha, sou uma pessoa normal. De dia sou personal trainer, sabia?
- Ahn...
- Gosto de passear, andar no shopping... Vamos marcar de sair?
- Melhor, não.
- Você tá com medo? A gente faz um passeio de gente normal. Toma sorvete...
“Gente normal”. Ela riu e ficou com pena do rapaz.
- Não é nada com você. Mas é melhor assim, uma noite e nada mais.
- Então anota meu telefone... Quem sabe você muda de idéia?
Com ainda mais pena do rapaz, ela anotou. Ele disse que se chamava Ivan, mas na boate o apelido era Pedro. P. salvou o número no celular como Pedro Ivan. De repente, a amiga veio chamá-la.
- Vamos embora?
P. foi se despedir de Pedro Ivan. Mas o coitado estava a pé. Pediu carona até o ponto do ônibus. Então foram os quatro no carro: P., a amiga, a mãe da amiga e o stripper. Deixaram-no no ponto. Ele pegou um ônibus para o Méier. Por alguns minutos, P. se sentiu mal por não ter permitido ao rapaz um encontro “normal”. Ele só queria tomar sorvete!, pensou. Depois, esqueceu. E nunca ligou pra ele.